03 agosto, 2011

Que dia é hoje?

A história de um pequeno povoado onde todos ficaram "ariados" devido ao sumiço de um calendário de folhinha conforme o relato do escritor Fernando Gurgel Filho.
O tempo, representado pelo ir e vir do sol e da lua, bem como pelas mudanças de humor do clima - frio, quente, seco, chuvoso etc - sempre definiu o dia a dia da humanidade. E, com o tempo, a humanidade aprendeu a esperar o tempo certo para dormir, acordar, plantar, colher, sofrer e festejar.
O raiar do dia, anunciado pelo canto do galo, avisando que o sol está chegando para homenageá-lo, e pelo alarido dos pássaros em festa pelos bichinhos sonolentos que vão adoçar seus bicos, devem ter sido os primeiros despertadores do ser humano nos campos e florestas. Não havia mais que isso para marcar o tempo e este transcorria dia após dia. Não havia semanas, meses e anos.
Depois o homem aprisionou o tempo em artefatos, como ampulhetas, relógios e calendários, e o tempo aprisionou o homem para sempre.
Hoje não se concebe como um ser humano pode abdicar do tempo medido, cortado em fatias e apresentado como pedaços de bolo em festa.
Às vezes, podemos até esquecer o dia da semana ou o dia do mês, mas basta olhar para qualquer lado - celular, microondas, aparelho de cd/dvd, computador, letreiros eletrônicos nas cidade etc - e temos como obter essa informação de forma rápida e segura.
Agora, em uma cidade sem luz elétrica, água encanada, telefone, relógio, rádio ou qualquer outra coisa que a ligue ao mundo exterior, exceto jumentos e cavalos, a marcação do tempo somente pode ser feita à mão no calendário.
Segundo vejo na tv alguém contar, em um pequeníssimo povoado, um belo dia a dona Bia acordou e perguntou pro Seu Ariostatino:
- Que dia é hoje? Dia 10 tenho que ir à cidade, vou ao dotô.
Ariostatino - Ari pros familiares, Jeguinho para os colegas na roça - levantou e foi consultar o calendário, ou seja, a famosa folhinha de parede, onde, todos os santos dias, ao acordar, marcava o dia que estava iniciando.
Mas, cadê o calendário?
Alguém arrancara o calendário do seu lugar sagrado na parede da cozinha!
- Ariosvaldo, Arienrique, Arilhermina, cadê a folhinha?, gritou Seu Ari.
Em resposta, os dois meninos e a menina gritaram quase ao mesmo tempo:
- Vi não, pai!
E correram para a cozinha, assustados com o desaparecimento de coisa tão preciosa.
- Como não viram? Folhinha num sai da parede sozinha! Eu quero ela aqui e agora!!!, esbravejou.
E ficou apenas nisso, pois as crianças insistiam em dizer que não sabiam do paradeiro do calendário e dona Bia muito menos.
O jeito foi consultar a vizinhança:
- Dona Aristatina, a senhora pode ver na sua folhinha que dia é hoje? Sumiram cum a minha...
- Puxa vida, Seu Ari, faz um tempão que o Aridelvino num atualiza. Lembra que ele ficou um tempão fora? - - Pois é, ele disse inté que ia pedir pro sinhô atualizá a dele.
Assim foi em todo o povoado. Uma meia dúzia de casas. Por uma dessas coincidências do tempo que escorre no dia a dia, o tempo no povoado deixara de ser marcado em todos calendários - uns três ou quatro - existentes ali.
Em todas as casas, a pergunta:
- Que dia é hoje?
Ninguém sabia ao certo.
Que fazer, então?
Só havia um jeito, pegar a carroça e ir com a mulher para a cidade. Foram, a consulta era dois dias depois. Ari aproveitou, foi nas lojas e farmácias, pediu um tanto de calendário de parede para marcar os dias e a vida no povoado voltou ao normal. Agora, com calendário de sobra.
Quanto ao antigo calendário do Ari, Dona Bia depois lembrou que alguém pedira emprestado, mas não lembrava quem foi. Para ela e para o povoado, medição do tempo parecia não ter tanta importância assim. Até o dia em que teve que se submeter ao tempo dos outros.

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