10 outubro, 2022

O misterioso "cadeado"

O cadeado em espiral 
"Um dos exemplos mais espetaculares de cadeado em espiral é a última carta de Mary Stuart", segundo os nove especialistas do King's College de Londres, do MIT e da Universidade de Glasgow, na Escócia, em um artigo publicado na revista Electronic British Library Journal.
"O conteúdo da carta é poderoso e comovente: escrito na véspera da sua execução, serve não só de carta - um documento destinado a ser enviado e lido por alguém distante -, mas também como sua última vontade e testamento, além de uma tentativa para que seja declarada mártir", segundo o artigo. "Às vezes, se afirma que escrever a carta foi o último ato de Mary; na verdade, depois de escrita, a carta precisou ser dobrada e lacrada."
De fato, depois de escrever sua última mensagem, a rainha dobrou, recortou e costurou o papel, enquanto se aproximava a hora de sua morte. E, por mais habilidosa que ela fosse, o cadeado em espiral utilizado deve ter tomado seu tempo, pois ele exige mais de 30 passos para sua elaboração. Eis alguns desses passos:


Pode-se observar que um pedaço de papel era recortado de forma que a margem da carta ficasse pontiaguda; e, depois de dobrá-la, era feita uma fenda onde essa ponta era inserida. Esse pedaço de papel tornava-se essencialmente a agulha e o fio utilizados para continuar o bordado até completar o cadeado em espiral.
O resultado, além de seguro, era muito elegante.
Para maior segurança, era acrescentado um lacre de cera.
Segundo os pesquisadores, trata-se de "uma técnica muito complexa que exigia tempo, paciência e muita habilidade: um movimento em falso e seu mecanismo de bloqueio poderia romper-se, exigindo começar a carta de novo".
"A mecânica desse cadeado obriga a pessoa que abrir a carta a rompê-lo para ter acesso ao conteúdo", explicam os especialistas. E, ao rompê-lo, como "a fechadura se rompe em vários lugares, é impossível voltar a montá-la de forma a permitir a passagem [da ponta] novamente através das ranhuras".
Ou seja, o destinatário saberia se a sua correspondência havia sido violada.
"Os seres humanos sempre tentaram garantir a segurança das mensagens enviadas entre si - e, ao longo da história, criamos enormes inovações", afirmou à BBC News o coautor do estudo Daniel Starza Smith, do King's College de Londres.
Segundo Smith, "a forma de dobrar as cartas pode fornecer informações sobre os gostos, a moda e os códigos sociais em diversos momentos da história. Quanto mais aprendermos sobre letterlocking, (*) melhor entenderemos o 'idioma' que nos transmitem os documentos e mais aprenderemos com eles."
Em artigo para o MIT Technology Review, Dambrogio ressalta que esse projeto vem sendo desenvolvido "ao longo de um período de intenso debate público sobre os sistemas globais de comunicação, o papel da interceptação estatal e a natureza da privacidade".
As infinitas formas de reduzir o tamanho de uma folha de papel retangular usadas por pessoas de diferentes países, períodos, culturas e estilos de vida "demonstram que essas questões são importantes para as pessoas há centenas de anos e nos permitem estudar o que elas fizeram a respeito".
O letterlocking é o vínculo entre "as técnicas de segurança das comunicações físicas do mundo antigo e a criptografia digital moderna", segundo o artigo publicado no Electronic British Library Journal.
(*) Em português, seria algo como "travacarta", atendendo ao pedido de Dambrogio de manter o termo com uma única palavra.

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