por Fernando Gurgel Filho (de Brasília)
Fernando Pessoa há de perdoar o título. E o texto, claro.
Final de ano. Férias. E uma vontade louca de viajar. Não conseguiu passagem de avião, nem tinha coragem de colocar o carro na estrada. Decidiu, com a devida vênia da esposa, que viajariam de ônibus. Para onde iam, no litoral baiano, conseguiram passagem em um ônibus com poltronas confortáveis e ar-condicionado.
O ônibus saiu cedo de Brasília e, na primeira parada para lanche, ele já estava com bastante fome.
Ao avistar os pastéis expostos na lanchonete não se conteve. Atracou-se com o maior que viu. De carne. Na primeira mordida, o óleo escorreu entre seus dedos. Estava delicioso. A fome era tanta que resolveu experimentar uma coxinha de frango e finalizou com um lustroso rissole de queijo.
Satisfeitos os passageiros e, mais ainda, o nosso viajante, o ônibus seguiu viagem sem transtornos e em um clima agradável.
Passava do meio-dia quando o ônibus parou para almoço. Não imaginava comer mais nada, pois ainda estava sentindo-se satisfeito com o lanche que fizera. Na realidade, estava até um pouco empanturrado, apesar de terem se passado mais de três horas. O cardápio estava convidativo, mas a esposa não era de comer muito. Resolveram, então, pedir um prato mais simples: um filé com fritas, acompanhados de arroz e uma saladinha. Comeu mais do que a esposa.
O ônibus partiu e ele pensou em tirar um cochilo, mas não conseguiu. Algo começou a revirar suas vísceras suavemente. Aquilo foi num crescendo até que começou a ficar meio tonto e a suar frio. Deu tempo apenas de correr para o banheiro e mirar o sanitário. Nunca pensou que existisse tanta coisa no estômago. Quase virou-se do avesso.

Ignorou o caos à sua volta e sentou-se ao lado da esposa. Tentou relaxar. Segundos depois:
- Um saco!
- Amor, sei que é um saco, mas acontece, né? Você não tem culpa...
- Um saco plástico, rápido!
Encheu o saco. Levou cuidadosamente para o banheiro e ainda deu uns jatos diretos no sanitário. Estava impressionado com a quantidade de líquido que saia do estômago. Não tinha comido, nem bebido tanto assim!
Voltou em meio aos olhares quase assassinos e sentou-se, já agarrado com outro saco plástico. O estômago deu mais alguns pinotes e parou. Seus engulhos eram seguidos pelos da garota na poltrona de trás. O namorado ainda tentava amenizar, passando um pano úmido na testa da menina, que suava frio. O banheiro entupiu de vez. Teve que levar o saco plástico, meio cheio, segurando para não derramar. Começou a sentir umas pontadas diferentes. Tentou pensar em algo para evitar sujar as calças. A camisa estava encharcada de suor. O rosto pálido pingava por todos os poros. Finalmente, o ônibus fez uma parada estratégica em uma rodoviária. Enquanto o motorista corria com o ônibus para a garagem, ele correu para o banheiro. Sem noção de tempo, parece ter passado uma eternidade jateando o vaso. Aquilo não acabava nunca! Felizmente, aos poucos o jato foi diminuindo até cessar. O banheiro não tinha papel. Teve que usar a cueca e jogar fora. Vestiu-se, jogou água no rosto, saiu para o ar livre e respirou aliviado. Pálido, com as pernas meio bambas, mas já estava melhor.
Na garagem, o ônibus parece ter dado perda total ou, então, fizeram uma limpeza muito eficiente, pois quando voltou parecia outro ônibus. Limpo, cheiroso, brilhando...
Fez-se de desentendido quando o motorista falou, apontando para o final do corredor:
- É todo seu, compadre.
Quando o ônibus partiu, notou algumas poltronas vazias. Alguns covardes devem ter desertado. Mas o resto da viajem foi tranquila e, no outro dia, o mar se encarregou de lavar sua honra e sua alma, e as férias foram salvas por dias maravilhosos.
A volta foi de uma frugalidade franciscana. A companhia não fez nenhuma reclamação em nenhum órgão de defesa do consumidor contra ele.
Feliz Ano Novo, enfim!
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