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03 julho, 2019

A Web Solitária

Às vezes, quando estou me sentindo entorpecido pela cachoeira de novidades e tendências virais que aparecem nos meus feeds, eu uso um gerador de números aleatórios para fazer buscas no YouTube, por vídeos sem nome, aqueles que ninguém assistiu antes.
A sensação é de encontrar vídeos de câmeras de vigilância que aliens colocaram para observar a humanidade.
Existe algo de doce e sincero nesses vídeos. Eles ecoam uma época antiga da internet, quando ninguém sabia que diabos estava fazendo. Quando o sinistro, o desconcertante e o perigoso espreitavam há apenas alguns cliques de distância. Antes de uma combinação de serviços centralizadores criarem uma web previsível e higienizada. Na minha época, o pessoal tinha que dar muita volta pela web pra achar alguma coisa.
Aquela internet, antiga e esquisita, nunca desapareceu de verdade. Ela está apenas escondida das nossas plataformas de mídia social.
A maior parte do conteúdo da web é acessada por meio de algumas poucas plataformas. Essas empresas fazem dinheiro a partir da informação que os seus usuários postam, então, elas encorajam todo mundo a postar o máximo possível.
No entanto, isso causa um problema: tem muita coisa. Até mesmo o usuário mais ávido, com os olhos vidrados na rolagem infinita, passando por milhares de fotos de bebês, de artigos sensacionalistas e de anúncios não pode ver tudo o que é postado.
Ainda assim, embaixo dessa camada anestesiada e controlada, todas aquelas coisas desregulamentadas ainda existem.
Essa é a chamada "Web Solitária". Ela vive no espaço lamacento entre o mainstream e a deep web. O conteúdo é público e encontrável pelos motores de busca, mas difundido para uma audiência minúscula, deixado de fora pelos algoritmos e/ou difícil de encontrar usando as técnicas tradicionais de busca.
Qual é o tamanho da Web Solitária? Baseado em um estudo de 2009 que mostra que 53% dos vídeos do YouTube não passaram a marca das 500 visualizações, é seguro estimar que: ela é grande, muito grande.
Ela inclui, mas não se limita a: vídeos do YouTube que nunca foram vistos; contas do Twitter com centenas de tuítes e nenhum seguidor; bots de spam; vídeos com imagem borrada e som estourado; petições por causas perdidas; aplicativos que ninguém vai baixar; e posts anônimos no 4chan que desaparecem de repente, se extinguindo como estrelas distantes feitas da queima de lixo.
Existem até empresas na Web Solitária. Uma rede de fast food do Cazaquistão chamada Hardee’s, por exemplo, tem apenas 160 seguidores no Twitter. Por um tempo, a conta tuitava aleatoriamente uns códigos inexplicáveis, como uma emissora de números fast food.
Parece um tipo de conteúdo mais honesto do que muito da web mainstream, estereotipada e pré-embalada. Parece ser o resultado de plataformas dizendo agressivamente para as pessoas que as suas vozes são importantes e merecem ser ouvidas, sem deixá-las perceber enquanto a sua potência de transmissão é diminuída. A Web Solitária está repleta de desesperadas mensagens em garrafas, sendo levadas cada vez mais longe por uma correnteza de conteúdo irrelevante.
Existem ferramentas para se explorar a Web Solitária, se alguém for especialmente preguiçoso: sites como 0views e Petit YouTube colecionam vídeos “desinteressantes” que nunca foram visualizados; Sad Tweets encontra tuítes que foram ignorados; Forgotify rastreia o Spotify em busca de músicas que nunca foram tocadas; Hapax Phaenomena procura por “imagens historicamente únicas” na busca de imagens do Google e /r/deepintoyoutube, que foi criado por um estudante de 15 anos chamado Distin (vídeo favorito: “Motivational Lizard”) faz curadoria de vídeos obscuros e bizarros.
Mas eu prefiro a busca manual. Encontrar algo interessante ao acaso, com a ideia conceitual certa, é fascinante. É como pescaria, só que sem o ar puro, ou a atividade física, ou as minhocas esmagadas.

Recortes de: "Como a Internet Esquisita e Sem Filtros se Tornou uma Mina de Ouro para a Mídia". Artigo de Joe Veix, publicado em 12/05/2016 no site Noosfera, onde pode ser lido na íntegra.

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