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20 maio, 2011

Não entra mais na Vara

Matéria repassada por Nelson Cunha

Circula na internet cópia de uma jocosa petição subscrita por uma advogada trabalhista que militava na Comarca de Duque de Caixas, Rio de Janeiro, na qual renuncia aos poderes que lhe foram outorgados pelo cliente.
Segundo consta da aludida petição a advogada apresentou os seguintes argumentos para a renúncia:

“Que, a ilustre Advogada renunciante, considerada pela maioria a maior advogada de D. Caxias, a mais brilhante, pois sou competente, conheço muito o direito, o errado e o certo, minha insatisfação é originária da mudança do nome da JUSTIÇA DO TRABALHO, antes chamava-se J.C.J (Junta de Conciliação e Julgamento) e agora passou a chamar-se ‘VARA’, pois esta nova denominação me trouxe e me traz diariamente imensas e grandes constrangimentos… (sic)
Que, antes para vir fazer audiências ou acompanhar processo eu entrava na Junta, e agora sou obrigada a dizer ‘estou entrando na VARA’, ‘fui a VARA’, fiquei ‘esperando sentada na VARA’, não concordo, sou mulher evangélica, não gosto de gracejos, deixou a ‘VARA’ para quem gosta de ‘VARA’, funcionários ‘varistas’ homossexuais, que tem muito, fiquem na ‘VARA’ permaneçam na ‘VARA’, trabalhem com ‘VARA’, saio fora desgostosa por não concordar com o termo pornográfico ‘VARA’ pra cá, ‘VARA’ pra lá. (sic)
Em tempo, outro dia estava entrando no prédio da Justiça, o meu tel. celular tocou, meu marido perguntou-me onde você está, olha só o constrangimento da minha resposta ‘entrando na 10ª VARA’. (sic)
É por isso, que comunico minha renúncia, já comuniquei verbalmente meu ex-cliente tudo na forma da lei.”

As Juntas de Conciliação e Julgamento foram extintas pela Emenda Constitucional n.º 24, de 9/12/2009 e o órgãos judiciários trabalhistas de primeiro grau passaram a se chamar “Vara do Trabalho”, a exemplo do que ocorre com a Justiça Comum Federal e Estadual.
O lamentável desconhecimento da advogada sobre o emprego do termo “vara” para designar juízos de primeiro grau de jurisdição, custou-lhe a perda de clientes e provavelmente de alguma renda, razão pela qual esclarecerei a seguir o porquê do nome “vara” para os órgãos judiciais de primeiro grau.
lictor
Lictores, na Roma Antiga, eram funcionários públicos encarregados de ir à frente de um magistrado com feixes de varas denominados fasces, abrindo espaço para que esse pudesse passar.
O termo latino fasces, na expressão fasces lictoris (“feixe de lictor”) refere-se a um símbolo de origem etrusca, usado pelo Império Romano, associado ao poder e à autoridade e era empregado em cerimônias oficiais – jurídicas, militares e outras – quando os lictores precediam a passagem de figuras da suprema magistratura, abrindo caminho em meio ao povo.
Numa época em que a autoridade não portava uma “carteira de identidade funcional” e a maioria da população não sabia ler, o emprego do feixe de lictor (um feixe de varas) era um símbolo do poder do magistrado muito útil. Por isso o costume romano atravessou os séculos e chegou às Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil Colônia e foram mantidas no início do Brasil Império, onde no § 1º título LXV do Livro 1 consta a seguinte regra:
“E os juízes ordinários trarão varas vermelhas e os juízes de fora brancas continuadamente, quando pella Villa andarem, sob pena de quinhentos réis, por cada vez, que sem ella forem achados”. (Ordenações Filipinas, Liv. 1, p. 135).
A função da insígnia era tornar visível a autoridade de seu portador e assegurar a imediata obediência a suas ordens. Esta simbologia permanece nos dias de hoje na designação das divisões do poder judiciário, denominadas “varas”, e em expressões tais como “conduzido debaixo de vara”, significando “forçado pela autoridade judicial”.
Com a evolução desapareceu a obrigatoriedade dos juízes ordinários andarem continuamente conduzindo varas vermelhas ou brancas para serem reconhecidos como autoridade, mas permaneceu a expressão “vara” como indicativo de um órgão de poder, de autoridade.
Assim, quando nós advogados protocolamos uma petição ou, como popularmente se diz, “entramos na vara”, queremos dizer que ingressamos junto a um órgão de poder representando o cliente, não havendo nada de pornográfico no termo.
Em tempo, aproveito para lembrar que por força do que determina o art. 45 do Código de Processo Civil, o advogado quando renunciar ao mandato deverá provar que cientificou o mandante a fim de que este nomeie substituto, razão pela qual não pode fazer a renúncia verbalmente.

Antonio Carlos Silva
Professor – Direito Processual Civil
Transcrito do site Defensoria Pública, acessado em 17/05/11

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