A verdadeira história da Arca de Noé.
Nelson José Cunha
Consultei uma edição apócrifa do Velho Testamento e recolhi algumas revelações surpreendentes. O dilúvio era iminente quando Noé deu a ordem para o embarque. Um Cavalo de Troia deslizou rampa acima para constrangimento dos presentes. Exibia seu apetrecho masculino em riste pouco modesto quanto às dimensões ou rigidez intrínseca. Sua natureza celulósica não lhe permitia a flacidez comportada como a dos demais machos.
Havia, como se sabe, grande limitação de espaço e a Arca não poderia tolerar nascimentos durante a viagem. Uma das regras de bordo era, portanto, a castidade. A exposição pública da ferramenta do pecado não tardou a incendiar a libido das fêmeas embarcadas. Contra aquela acintosa impudicícia, o comandante Noé determinou a intervenção do Doutor Pica Pau que desmembrou, a bicadas, o gigantesco falo de ébano. A peça cavalar foi atirada em seguida ao casal de cupins que já se preparava para devorar o casco bíblico. Poucos sabem, mas a diversidade biológica atual deve muito ao caráter magnânimo do Cavalo de Troia que, com sacrifício pessoal, preservou a flutuabilidade da embarcação.
Durante os 377 dias do dilúvio, as fêmeas tiveram que se contentar com o nariz do Pinóquio. O filho emadeirado de Gepeto estava sempre rodeado por elas que cobravam mais e mais mentiras para se extasiarem com seus crescentes efeitos. Vem daí o valor erótico das mentiras contadas em rodas de amigos onde o verbo mais conjugado é o "jácumi".
O trajeto até o monte Ararat transcorreu sem sobressaltos até o desembarque. Quando se percebeu que o interior do Cavalo de Troia estava repleto de chineses em processo acelerado de reprodução. Todos iguaizinhos devido à consanguinidade. A superpopulação chinesa atual, suas faces estereotipadas, seus olhos apertadinhos pela escuridão do esconderijo e seu proverbial apreço pela ciência do contrabando estão sobejamente justificados pela epopeia diluviana.
A ausência de descendentes dos famosos Cavalos de Troia está debitada ao apetite feroz do casal de cupins e ao desprendimento do equestre de ébano. Restaram, entretanto, poucos exemplares de outros cavalos: os eletrônicos, como os
Trojan Horses,
e os de Balanço, por exemplo, que embora não tenham sido emasculados durante o dilúvio, demonstraram pouco interesse pelas fêmeas da espécie. Animais que estão sempre meneando a cabeça afirmativamente ao interesse dos cavaleiros em usá-los. Desconfio do seu fervor masculino porque adoram um selim bordado. Sem querer ofendê-los:
- Uns maricas, esses cavalos rendados!
Nota do Editor
A Arca de Noé, subdimensionada para a quantidade de bichos que tinha de salvar, fez milagres. Mas, quanto a transportar o
Cavalo de Troia e os
cupins, continuo achando que exagerou.
Trojan Horses e cupins só servem para nos criar
problemas. Concordo, porém, com o autor do texto em sua conclusão sobre a preferência sexual do Cavalo de Balanço. Mas, Nelson, você esqueceu de citar o Cavalo de Carrossel. PGCS