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04 fevereiro, 2010

Rei posto, rei morto - 1

Que o rei não ignore o terrível fato! O de que existe, acima de sua cabeça, uma espada - de Dâmocles! - que, sustentada por um mísero fio, mui perigosamente está a pender. Como se fora uma ameaça mortal àquele que está a ocupar o trono. Pois, a qualquer momento, o frágil fio pode romper-se e... fim do ocupante do trono! É claro que, com algum acautelamento por parte dele, pode ir-se a coroa mas ficar a cabeça, o que é razoável. Quando a cabeça coroada tem alguma sensibilidade para identificar o instante imediatamente antes ao de romper o fio.
Com inspeções periódicas das condições em que se encontra o tecido social, eis a astúcia devidamente explicada.
Dizia Napoleão que com uma espada se pode fazer tudo... menos sentar nela. Se o que se busca é conforto, acrescento. Sobre Dâmocles, porém, o que eu tenho a dizer, neste momento, a meus atilados leitores? O seguinte: ele era um cortesão que vivia a bajular um tirano de Siracusa, chamado Dionísio, o Velho. Até que este, certa vez, aborrecido com tanto puxa-saquismo e babação, fez Dâmocles sentar no trono de Siracusa. Depois de haver colocado, acima do mesmo, uma espada nas condições descritas no parágrafo inicial. A fim de que o bajulador, expondo-se ao risco de morrer, entendesse de uma vez por todas o que eram as incertezas e as inquietações do poder.
De saída, por ser impossível agradar a todos os súditos. A exemplo, lembremo-nos do caso da garotinha que, depois de ter o pai, a mãe e os irmãos comidos pelo tigre, ainda assim se recusava a abandonar a aldeia natal. Porque "na cidade, lá está o rei...". Pois é, ser governante (sustentado a imposto etecétera e tal) está cada vez mais em baixa no conceito que lhe dão os governados. E, por isso, o rei que é esperto evita se desgastar com os comezinhos assuntos que os súditos lhe trazem. Ele simplesmente cede o assento real a um dos ministros (a fim de que este fique se maçando) e vai caçar raposa. Embora diga que vai caçar tigre.
Com um olho na caça(da) e outro no poder, é evidente. Para não chorar os dissabores por que passou Ricardo Coração-de-Leão.
Está nisso a esperteza: o rei deve reinar sem governar. Ser como o pássaro que não tem de bater as asas para provar ao reino animal a sua capacidade de voar.
Nos períodos sombrios, saber o rei que ainda poderá abrir três envelopes. Com três estratégicas instruções:
  1. onde se manda culpar o antecessor pela situação;
  2. onde se manda demitir um, vários ou todos os ministros;
  3. onde se manda renunciar após preparar três novos envelopes para o sucessor.
É tolo o soberano que, ao primeiro sinal de crise política, abre logo os três envelopes. Para que os problemas se confraternizem com as soluções é preciso levar algum tempo nessa empreitada. Nunca ser açodado. Porque, uma vez anunciada a renúncia, o passo seguinte será o ostracismo. Outrossim, tolo é o soberano do tipo protelador porque apresenta um grande apego ao poder. Pois a ele, além do destronamento, o destino pode-lhe estar reservando um fim trágico. Simplesmente por ele, em tempo hábil, não ter escolhido ir roçar nas ostras. PGCS

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