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28 janeiro, 2023

Falatório

Ilustração: Maurício de Sousa

Me contaram, não sei se é verdade. Mas, como ouvi o mesmo caso de pessoas diferentes, leva certo jeito de, realmente, ter acontecido.

A Televisão estava buscando uma cidade pequena do interior para gravar uma novela e em uma das cidades inicialmente pensadas, achou prudente levar a equipe técnica e os dois atores que fariam o papel romântico. Era uma maneira de, aos poucos, ir ambientando a equipe para às gravações. A notícia dessa visita, depressa se esparramou pela cidade, e quando desembarcaram e começaram a andar de lá para cá em suas ruas e praças, coisas estranhas aconteceram com os moradores que, atrás das cortinas, assistiam a passagem do pessoal.

Nesses momentos, conta-se que Dona Yolanda, fotografa de mão cheia, esparramou-se pelo telhado para tirar boas fotos e acabou por rolar escada abaixo; Lucinda Marques garota prodígio na cidade sentiu pontada no peito e, piormente, desmaiou de emoção; Amelinha ajoelhou-se no altar improvisado na pensão e não parou mais de rezar; Thais deitou a falar mal do governo, aos berros, em frente à Prefeitura; Patativa afirma que recebeu o espírito de seu bisavô anunciando que já tinha lugar reservado no paraíso quando resolvesse ir embora, tudo isso sem contar com outros como o jovem Lucas que se engasgou com gole maior que a boca de guaraná até receber um safanão que o deixou desacordado por seis minutos, enquanto Marcinha, mais emocionada que nunca, mastigou por inteiro uma caixa de lápis de cor do Diego.

Quando a turma foi embora e a tarde já caia, nunca mais os moradores da cidade encontraram outro assunto para discursar senão esse momento de glória maior. Dizem até que Marcos Alan, pistoleiro conhecido nas terras do Maranhão, resolveu largar o oficio e, melhormente, se transformar em caçador de almas para a regeneração.

Me contaram, não sei se é verdade.

Autor: Celso Antunes (2015)

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