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08 outubro, 2020

A bandana de Anna

"Espero que você consiga trabalhar arduamente na ciência e, assim, banir lembranças dolorosas, na medida do possível", escreveu Charles Darwin, na primavera de 1864, a um jovem e obscuro correspondente alemão que acabara de lhe enviar dois fólios de sua autoria: estudos impressionantemente ilustrados de pequenos organismos marinhos unicelulares - uma obra-prima que encantou Darwin como uma das coisas mais majestosas que ele até então tinha visto.
Mas Ernst Haeckel (16 de fevereiro de 1834 - 9 de agosto de 1919), que adiante cunharia o termo ecologia e se tornaria um proeminente defensor da teoria da evolução, não poderia banir o inatingível: meses antes, em seu trigésimo aniversário, Anna Sethe, o amor de sua vida, havia sido arrancado dele por uma morte súbita, quando o casal, após um longo noivado, estava prestes a se casar.
Na esteira de seu luto insondável, o jovem biólogo marinho aplicou o método de Joan Didion para lidar com o luto por movimento e seguiu para a França. Andando pelas praias de Nice, sua mente em um lugar irrecuperável e seu coração com um vazio ameaçador, ele parou no meio do caminho - algo havia tomado sua atenção: flutuando perto da superfície do mar, em uma piscina de maré, deparou-se com uma água-viva - uma espécie de medusa que ele nunca tinha visto antes.
Ele havia caído sob o "feitiço da medusa" dez anos antes, aos vinte anos, enquanto acompanhava um orientador em uma expedição de pesca e pesquisa. Agora, uma década e uma devastação depois, Haeckel se rendeu a esse encantamento inicial para se firmar nos corrimãos paralelos da maravilha e da descoberta, do esplendor estético e do desafio científico.
Haeckel passou os quinze anos seguintes estudando e  desenhando essas criaturas estranhas e belas - evocativas de árvores e cogumelos, ovários e naves espaciais - e para nomear a mais bela das espécies que encontrou inspirou-se em sua amada perdida: Mitrocoma annae - "bandana de Anna" (na ilustração).

Extraído de: The Otherworldly Beauty of Jellyfish: How Ernst Haeckel Turned Personal Tragedy into Transcendent Art in the World’s First Encyclopedia of Medusae, by Maria Popova - Brain Pickings

Ernst Haeckel, 1879:
"Mitrocoma annae é uma das mais lindas e a mais pequena entre todas as medusas; ela foi observada pela primeira vez por mim, em abril de 1864, na baía de Villafranca perto de Nice. (...) Eu designei esta espécie, a princesa da Eucopiden, em lembrança da minha inesquecível esposa, Anna Sethe."
(do livro de R.J. Richard "O trágico sentido da Vida : Ernst Haeckel e a luta pelo pensamento evolutivo")

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