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24 abril, 2020

Os Cysnes

«Na palavra lagryma, (…) a forma do y é lacrymal; estabelece (…) a harmonia entre a sua expressão graphica ou plastica e a sua expressão psychologica; substituindo-lhe o y pelo i é offender as regras da Esthetica. Na palavra abysmo, é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mysterio… Escrevel-a com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformal-o numa superficie banal.»
Estas linhas de Teixeira de Pascoaes foram vertidas na revista A Águia n.º 5, de 1 Fevereiro 1911, como manifestação de repulsa pelas normas da Reforma Ortográfica de 1911.

Esqueceu-se Pascoaes de citar (ou não o quis fazer) as palavras lyrio e cysne. Em lyrio, no y é que se concentra toda a grácil e clara beleza daquela flor, na haste! E como o y de cysne imita o longo e recurvo pescoço da ave, nadando no "manso lago azul" do poeta Júlio Salusse!

Os Cysnes
Júlio Salusse (1872-1948)

A vida, manso lago azul, algumas
vezes, algumas vezes mar fremente,
tem sido para nós, constantemente,
um lago azul, sem ondas, sem espumas.

E nele, quando, desfazendo brumas
matinais, rompe um sol vermelho e quente,
nós dois vogamos indolentemente
como dois cysnes de alvacentos plumas.

Um dia, um cysne morrerá por certo.
Quando chegar esse momento incerto
no lago, onde talvez a água se tisne,

- que o cysne vivo, cheio de saudade,
nunca mais cante, nem sozinho nade,
nem nade nunca ao lado de outro cysne.

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