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10 janeiro, 2020

"Pai, me manda dinheiro!"

Metacomunicação
Toda comunicação tem aspectos referenciais (conteúdo) e relacionais de tal forma que os segundos classificam os primeiros e correspondem, por consequência, ao que se chama uma "metacomunicação".
Podemos nos valer, para ilustrar este axioma, da já clássica historinha do pai que se queixava à esposa do filho que lhe pedia num telegrama: "Pai, me manda dinheiro!", mensagem lida pelo pai, num tom áspero e autoritário, e que, na interpretação da mãe, não alterando os dizeres (conteúdo) do telegrama, mas sim a entonação da voz (aspecto relacional), passou a significar um pedido doce, suave e humilde de um filho necessitado, correspondendo a algo que está "além da comunicação formal" (metacomunicação).
— Luiz Carlos Osório. Novos paradigmas em psicoterapia. São Paulo; Caso do Psicólogo Livraria e Editora Ltda, 2006. p.28

A entoação no discurso
Na maioria dos casos, a entoação é determinada pela situação imediata e freqüentemente por suas circunstâncias mais efêmeras. Eis aqui um caso clássico de utilização da entoação (= entonação) no discurso familiar: No "Diário de um Escritor", Dostoievski conta:
"Certa vez, num domingo, já perto da noite, eu tive ocasião de caminhar ao lado de um grupo de seis operários embriagados, e subitamente me dei conta de que é possível exprimir qualquer pensamento, qualquer sensação, e mesmo raciocínios profundos, através de um só e único substantivo, por mais simples que seja [Dostoievski está pensando aqui numa palavrinha censurada de largo uso]. Eis o que aconteceu. Primeiro, um desses homens pronuncia com clareza e energia esse substantivo para exprimir, a respeito de alguma coisa que tinha sido dita antes, a sua contestação mais desdenhosa. Um outro lhe responde repetindo o mesmo substantivo, mas com um tom e uma significação completamente diferentes, para contrariar a negação do primeiro. O terceiro começa bruscamente a irritar-se com o primeiro, intervém brutalmente e com paixão na conversa e lança-lhe o mesmo substantivo, que toma agora o sentido de uma injúria. Nesse momento, o segundo intervém novamente para injuriar o terceiro que o ofendera. 'O que há, cara? quem tá pensando que é? a gente tá conversando tranquilo e aí vem você e começa a bronquear!' Só que esse pensamento, ele o exprime pela mesma palavrinha mágica de antes, que designa de maneira tão simples um certo objeto; ao mesmo tempo, ele levanta o braço e bate no ombro do companheiro. Mas eis que o quarto, o mais jovem do grupo, que se calara até então e que aparentemente acabara de encontrar a solução do problema que estava na origem da disputa, exclama com um tom entusiasmado, levantando a mão: ... 'Eureka!' 'Achei, achei!' é isso que vocês pensam? Não, nada de 'Eureka', nada de 'Achei'. Ele simplesmente repete o mesmo substantivo banido do dicionário, uma única palavra, mas com um tom de exclamação arrebatada, com êxtase, aparentemente excessivo, pois o sexto homem, o mais carrancudo e mais velho dos seis, olha-o de lado e arrasa num instante o entusiasmo do jovem, repetindo com uma imponente voz de baixo e num tom rabugento... sempre a mesma palavra, interdita na presença de damas para significar claramente: 'Não vale a pena arrebentar a garganta, já compreendemos!' Assim, sem pronunciar uma única outra palavra, eles repetiram seis vezes seguidas sua palavra preferida, um depois do outro, e se fizeram compreender perfeitamente."
As seis "falas" dos operários são todas diferentes, apesar do fato de todas consistirem de uma mesma e única palavra.
— Bakhtin, M. (1929). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, HUCITEC, 1988.
http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/m00011.htm
http://hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Bakhtin-Marxismo_filosofia_linguagem.pdf p.128-129

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