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14 agosto, 2019

O evento do Curuçá

O evento do Curuçá se refere à queda de importantes bólidos perto desse rio, na região amazônica brasileira próxima à fronteira com o Peru, na manhã de 13 de agosto de 1930. O único relato desse evento foi feito pelo frei Fidelis D’Alviano, publicado na Europa em 1931. Um primeiro estudo realizado por Bailey et al. (1995) chamou esse evento de "Tunguska Brasileiro". Segundo Napier e Asher (2009), este evento como o conhecido evento de Tunguska, em 1908 e um terceiro, muito pouco estudado, que aconteceu na Guiana Inglesa, em 1935 (Korff, 1939), teriam sido os casos de queda de bólidos mais importantes do século 20. Diferentemente das estruturas pré-históricas de impacto já descritas no Brasil, o evento do Curuçá e sua estrutura de impacto, por ser episódio recente, está acompanhado de relatos e medições, especialmente do tipo sismológico. Além disso, uma expedição realizada em 1997 ao possível lugar de queda forneceu informações adicionais à lista das outras indicações conhecidas.
Relato
Todo o conhecimento inicial deste evento está concentrado num relato que foi publicado pela primeira vez pela agência Fides de notícias, em 1931, no jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano. Das repercussões desta notícia na Europa só se tem conhecimento daquela do jornal The Daily Telegraph, de Londres, naquele mesmo ano (Bailey et al., 1995; Steel, 1995). Trata-se de relato feito pelo frei Fidelis D’Alviano, da Ordem dos Franciscanos, que realizava seu trabalho de catequese no rio Curuçá. Foi justamente perto deste rio que aconteceu este evento que pode ser considerado planetário, e do qual o frei Fidelis se tornaria o único emissário para o mundo.
Frei Fidelis chegou ao rio Curuçá, rio que desemboca no Javari (divisa com o Peru), por volta de 18 de agosto de 1930, cinco dias após o estranho e terrível fenômeno. Mesmo cinco dias depois, a população, principalmente de seringueiros, ainda estava apavorada. No dia 13, vários bólidos tinham caído do céu produzindo três grandes estrondos e um tremor de terra. O frei fez relatório inteligente desse evento entrevistando perto de uma centena de seringueiros da região, e fazendo um resumo. Melhor ainda, ele produziu texto objetivo, sem nenhuma conotação religiosa. Esta objetividade não é surpreendente se considerarmos os vários aspectos pessoais do frei. Além de exercer suas atividades pastorais com os índios Ticuna por muitos anos, ele sempre trabalhou com uma atitude científica como etnógrafo e linguista.
A Europa já tinha ficado intrigada em 1908 com a queda de enorme bólido na Sibéria, evento hoje conhecido como o de Tunguska. Além das evidências sísmicas, também o céu europeu registrou este evento. Durante um tempo o céu ficou com as cores avermelhadas, características da presença de grandes quantidades de poeira em suspensão na atmosfera. Somente 15 anos depois, um conhecido geofísico russo, Leonid A. Kulik, teve a determinação de organizar uma expedição a fim de encontrar o lugar da queda. Foi tarefa difícil, já que essa região estava sendo ocultada pelos habitantes de Tunguska como sendo lugar sagrado. Kulik não encontrou nenhuma cratera, mas sim, enorme região de cerca de 2 mil km2 de floresta devastada. Isto motivou grande número de estudos, mas até hoje permanece envolto por alguns mistérios. No entanto, a interpretação mais aceita é de que um corpo de cerca de 60 a 100 m teria explodido na atmosfera em um fenômeno de detonação, produzindo violenta onda de choque que destruiu a floresta.
O astrônomo inglês Mark E. Bailey encontrou em 1995 artigo de cientistas russos citando trabalho passado de Kulik, em que ele mencionava que em 1930 teria acontecido um evento similar ao de Tunguska, na floresta amazônica. Bailey encontrou essa notícia no jornal inglês The Daily Telegraph publicado em 1931, mencionando o evento da Amazônia com um tom sensacionalista, referindo-se também ao perigo que teria corrido a nossa civilização. Bailey decidiu então procurar o artigo fonte que estaria no Vaticano. Com dois estudantes partiu à procura desse artigo nos arquivos de L’Osservatore Romano. Mas um astrônomo amador italiano, Roberto Gorelli, também teve conhecimento desse relatório de forma independente (Gorelli, 1995).
Grande e boa foi a surpresa de Bailey ao encontrar o relato do frei Fidelis. Primeiro, como foi mencionado antes, pela objetividade do relato e segundo, porque o evento teria acontecido na manhã de 13 de agosto. Bailey publicou artigo no magazine inglês The Observatory em 1995 e propôs a hipótese de que os bólidos seriam provenientes do cometa Swift-Tuttle. De fato, esse cometa periódico (período orbital de 120 anos) conhecido desde os tempos de Cristo, é aquele que produz a chuva de meteoros que acontece todos os anos entre 11 e 13 de agosto, muito conhecida no hemisfério norte como a chuva das Perseidas.
História da astronomia no Brasil (2013) / organizador: Oscar T. Matsuura ; comissão editorial: Alfredo Tiomno Tolmasquim ... [et al.]. – Recife : Cepe, 2014. v. 1. : il.
N. do E.
Em "História da astronomia no Brasil", volume I, capítulo 11, parte 2, páginas 401-402, Ramiro de la Reza, Henrique Lins de Barros e Paulo Roberto Martini apresentam a tradução para o português (de la Reza e Faulhaber, 2012) do relato do frei Fidelis, tal como apareceu em L‘Osservatore Romano (Bailey et al., 1995)

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