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01 abril, 2019

A adesão ao fascismo

Neste texto (*) datado de 1951, Theodor W. Adorno demonstra como a teoria de Sigmund Freud sobre a psicologia das massas desenvolvida em 1921 antecipou de maneira impressionante as dinâmicas pulsionais envolvidas na ascensão de Hitler; e indica como ela pode ser usada para compreender o fenômeno dos agitadores fascistas que ele observava em primeira mão nos EUA do pós-Segunda Guerra Mundial. Passadas mais de seis décadas desde sua publicação, o ensaio de Adorno se mostra de relevância assombrosa para o leitor brasileiro de 2018.

“Como seria impossível para o fascismo ganhar as massas por meio de argumentos racionais, sua propaganda deve necessariamente ser defletida do pensamento discursivo; deve ser orientada psicologicamente, e tem de mobilizar processos irracionais, inconscientes e regressivos.”

“Como uma rebelião contra a civilização, o fascismo não é simplesmente a reocorrência do arcaico, mas sua reprodução na e pela civilização.”

“A irracionalidade redespertada do seguidor é bastante racional do ponto de vista do líder: ela necessariamente tem de ser ‘uma convicção que não é baseada em percepções e raciocínios, mas em um vínculo erótico’.”

“A agitação fascista está centrada na ideia do líder, não importando se ele lidera de fato ou se é apenas o mandatário de interesses do grupo, porque apenas a imagem psicológica do líder é apta a reanimar a ideia do todo-poderoso e ameaçador pai primitivo.”

“Mostrando-se como um super-homem, o líder deve ao mesmo tempo realizar o milagre de aparecer como uma pessoa comum, da mesma maneira como Hitler se apresentou como uma mistura de King Kong e barbeiro de subúrbio.”

“As pessoas que obedecem aos ditadores sentem que eles são supérfluos. Elas se reconciliam com essa contradição por meio da presunção de que elas próprias são o opressor cruel.”

“É provavelmente a suspeita do caráter fictício de sua própria ‘psicologia de grupo’ que torna as multidões fascistas tão inabordáveis e impiedosas. Se parassem para raciocinar por um segundo, toda a encenação desmoronaria, e só lhes restaria entrar em pânico.”

“O ganho narcisista fornecido pela propaganda fascista é óbvio. Ela sugere continuamente, e às vezes de maneiras bastante maliciosas, que o seguidor, simplesmente por pertencer ao grupo, é superior, melhor e mais puro que aqueles que estão excluídos. Ao mesmo tempo, qualquer tipo de crítica ou autoconsciência é ressentida como uma perda narcisista e provoca fúria.”

“O líder pode adivinhar os desejos e necessidades psicológicas dos que são suscetíveis à sua propaganda porque a eles se assemelha psicologicamente e deles se diferencia pela capacidade de expressar sem inibições o que neles está latente, em vez de lançar mão de alguma superioridade intrínseca.”

“O segredo da propaganda fascista pode bem ser o fato de que ela simplesmente toma os homens pelo que eles são – os verdadeiros filhos da cultura de massa estandardizada atual, amplamente despojados de autonomia e espontaneidade – em vez de estabelecer metas cuja realização transcenderia o status quo psicológico não menos que o social. A propaganda fascista tem apenas de reproduzir a mentalidade existente para seus próprios propósitos – não precisa induzir uma mudança –, e a repetição compulsiva, que é uma de suas características primárias, estará em acordo com a necessidade dessa reprodução contínua.”

“A psicologia das massas foi controlada por seus líderes e transformada em meio para sua dominação. Ela não se expressa diretamente pelos movimentos de massa.”

(*) extraído de "A psicanálise da adesão ao fascismo", publicado no Blog da Boitempo

Contemporâneas

"Reconhecer erros engrandece instituições. Comemorá-los demonstra que podem repeti-los." ~ Jorge Solla

"Como voltar atrás, recuar sem vergonha de tê-lo feito, desdizer o que dissera, autotraduzir as próprias palavras são atos praticados por Bolsonaro sem se sentir em situação vexaminosa e sem enrubescer sequer os lábios emaciados, descoloridos, lembrando lábios de defuntos emaciados, que nos oferece na TV todas as vezes em que nela aparece, há tempo para ele anunciar que o apelo à celebração do golpe de 1964 foi uma chula, inoportuna e malfeita piada de 1.º de abril." ~ Luis Costa Pinto, O golpe da piada pronta

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