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04 abril, 2018

O cemitério de satélites

David Whitehouse*
Escritor e astrônomo, BBC Brasil

Exploradores e aventureiros, em geral, gostam de procurar novos lugares para conquistar, já que os picos mais altos já foram escalados, os polos foram alcançados e os vastos oceanos e desertos já foram atravessados.
Alguns desses lugares são chamados polos de inacessibilidade.
Dois deles são especialmente interessantes. Um é o polo continental de inacessibilidade - o local na Terra mais longe do oceano. Existe uma discussão sobre sua posição exata, mas para muitos ele fica próximo ao chamado Passo de Alataw - uma passagem montanhosa na fronteira entre a China e o Cazaquistão.
O ponto equivalente no oceano - aquele que fica mais afastado de qualquer território em terra - fica no sul do Pacífico, cerca de 2.700 km ao sul das Ilhas Pitcairn - em algum lugar na "terra de ninguém" entre a Austrália, a Nova Zelândia e a América do Sul.

Um polo de inacessibilidade é definido como um lugar sobre a superfície da Terra cuja distância à linha de costa é localmente máxima. Como linha de costa deve entender-se a dos oceanos ou de mares ligados com o oceano aberto. Também por definição, um polo de inacessibilidade deve ser perfeitamente equidistante de três pontos sobre a linha de costa. Fica na Eurásia, em 46° 16.8′ N 86° 40.2′ E, o polo continental de inacessibilidade. Ele está no  Deserto de Dzoosoton Elisen, no noroeste da China, a 2.648 km do mar.  Já o polo oceânico de inacessibilidade, também chamado Ponto Nemo, fica em 48° 52.6' S 123° 23.6' O. Encontra-se no sul do Oceano Pacífico, a 2.688 km da Ilha Ducie, um atol desabitado que faz parte das Ilhas Pitcairn, este segundo polo que é o lugar oceânico mais afastado de qualquer tipo de terra firme.


Com o fim da vida útil de satélites e espaçonaves atualmente em órbita ao redor da Terra, a grande maioria destes artefatos irão voltar em algum momento. Mas, onde cairão?
Satélites menores geralmente se incendeiam ao entrar na atmosfera terrestre, porém alguns pedaços maiores conseguem "sobreviver" ao atrito e se chocam com o solo. Para evitar que caiam em áreas populosas, eles costumam ser conduzidos para a área em torno do ponto de inacessibilidade oceânica.
Uma área que se estende por aproximadamente 1.500 km² no leito oceânico está, aos poucos, sendo transformada num verdadeiro cemitério de espaçonaves construídas pelo homem. Na última contagem havia mais de 260 delas, a maioria russas. Os destroços da estação espacial Mir, por exemplo, estão lá. Ela foi lançada ao espaço em 1986 e recebeu diversos cosmonautas russos e visitantes de várias nacionalidades. Com uma massa de 120 toneladas, a estação não conseguiria queimar completamente na atmosfera. Por isso, ela foi direcionada à região em 2001, e chegou a ser vista por alguns pescadores locais como uma bola de destroços brilhantes se desintegrando enquanto percorria o céu.
Ao retornar à Terra, o módulo que leva suprimentos para a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) entra em combustão nessa região, incinerando também o lixo que traz da Estação. Esta desintegração controlada de satélites e módulos espaciais em nossa atmosfera não causa perigo para ninguém. A região desse polo de inacessibilidade também não costuma ser frequentada por pescadores, porque as correntes oceânicas não passam pela área e, portanto, não levam nutrientes para lá, o que torna escassa a vida marinha no local.
Uma das futuras habitantes deste ponto isolado será a própria Estação Espacial Internacional. Os planos atuais são de que ela seja desativada na próxima década e seja conduzida para o polo oceânico de inacessibilidade. Com uma massa de 450 toneladas - quatro vezes maior do que a da estação russa Mir - sua volta à Terra provavelmente será um acontecimento espetacular.
No entanto, nem sempre é possível conduzir um satélite ou estação espacial para o sul do oceano Pacífico, pois os controladores podem perder contato com ele. Foi exatamente isso o que aconteceu com a estação espacial Salyut 7, em 1991, que caiu na América do Sul, e também com a Skylab, primeira estação espacial americana, que atingiu a Austrália em 1979. Ninguém foi ferido e, até onde se sabe, ninguém jamais foi atingido por algum pedaço de um módulo espacial desativado.
No ano que vem, este problema se repetirá. Entre os meses de janeiro e abril, a estação chinesa Tiangong-1 voltará à Terra, em sua última viagem. Ela foi lançada em 2011, como a primeira estação espacial da China. A órbita da Tiangong-1 vem declinando à medida que ela se aproxima do ponto de reentrada na atmosfera terrestre. Mas, os engenheiros chineses perderam o controle de sua trajetória e não estão conseguindo ligar seus propulsores para guiá-la até o Pacífico Sul. Com isso, calculam que a estação cairá na Terra em algum local entre as latitudes do norte da Espanha e o sul da Austrália. Não será possível ter uma localização mais precisa de sua queda até poucas horas antes da Tiangong-1 entrar em combustão.
Mas o mais provável é que ela não se junte a suas companheiras no "cemitério de satélites".

Finalmente, a Tiangong 1 entrou e queimou na atmosfera no dia 2 de Abril de 2018, às 00:16 GMT (01/04/18, 21:16h no horário de Brasília) A maior parte dos pedaços caiu sobre o Oceano Pacífico Sul, próximo ao Taiti, sem incidentes.

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