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24 julho, 2017

A descoberta de Carajás

por Breno Augusto dos Santos
[...] No dia seguinte, então o Demostino autorizou e nós fomos lá. Acertamos um aluguel pela pista e começamos a mudança do Xingu. O avião do Adão saía da ilha do Xingu, levava a equipe e material, e ia para Altamira abastecer, trazia combustível dentro do avião, saía de novo, fazia esse triângulo. Porque não tínhamos combustível no Xingu, então ele tinha que fazer o triângulo, o aviãozinho fazer esse triângulo com pernas de mais ou menos 300 quilômetros, duzentos e poucos quilômetros, fazendo essa triangulação para fazer a mudança. E chegou o dia de mudar o helicóptero, daí surgiu o primeiro impasse. O voo dava mais ou menos umas duas horas de helicóptero, contra o vento, com autonomia do helicóptero de duas horas. E helicóptero cair na mata é pior do que um avião porque não tem nem asa, então quando cai na mata ele afunda, nunca mais ninguém acha. Nunca mais ninguém acha! E eu, como Chefe da equipe, me julgava na obrigação de fazer o voo com o piloto, não mandar outra pessoa para fazer o voo, então eu tinha a responsabilidade de fazer. Eu estava com a equipe lá, e o Tolbert falou: "Faça a mudança". Autorizou, foi para o Rio e eu comecei a fazer a mudança com a equipe lá, na última semana de julho de 67. Aí dois fatos também que ajudaram. No dia em que eu fui admitido no Rio pelo Tolbert, tinha um mapa antigo do IBGE, aquele mapa que era todo meio torto, e de repente ele falou a região que a gente ia trabalhar e vi que ali tinha pouco rio e eu falei: "Como eu vou me orientar nessa região?" Aí, acidentalmente eu olhei, e tinha o rio Itacaiúnas que cortava leste-oeste, e lá do outro lado tinha o rio Xingu, rio Fresco, e saía um pequeno afluente do rio Fresco chamado Icarapanã, e no lugar da cabeceira dos dois rios, no afluente de Itacaiúnas, e no afluente do rio Fresco, quase se juntavam. O Itacaiúnas era afluente do Tocantins e o rio Fresco do Xingu, então dois rios secundários, e o terceiro rio, os dois terceiros rios, o Cateté e o Carapanã quase juntavam. Então, na visão intuitiva eu falei: "Bom, se eu me perder nessa região..." A ideia simplista de quem está no Rio de Janeiro, imagina? "... esses dois, têm um eixo hidroviário aqui nessa área." Então, quando chegou a hora de deslocar o helicóptero, esse eixo veio na minha cabeça e falei: "Se eu vou voar aqui sem nunca ter voado.." – era o meu primeiro voo de helicóptero, eu nunca tinha voado de helicóptero – "... eu vou voar num lugar que se eu cair alguém pelo menos sabe onde procurar." Só que daí tinha um problema, o voo em linha reta dava duas horas, e desse jeito dava quase quatro horas. Então, o jeito era levar a gasolina do helicóptero no bagageiro, e cada lugar que você encontrasse uma possibilidade de pouso, você descia e abastecia. O que significava isso? Que você tinha mais uma hora pela frente, que se não conseguisse pousar, voltava àquele lugar de novo. Então a cada 15 minutos que você voava, você ganhava mais 15 minutos. Então foi desse jeito. A gente saiu, foi até São Félix do Xingu, abasteceu, depois do rio Fresco pousamos num pedal no meio do rio, abastecia. No Icarapanã encontramos uma pedra no meio do rio, descemos, e no divisor de águas, quando se ficava sem rio nenhum, existia uma serra muito bem marcada, bem alcantilada e com uma pequena clareira que a gente via nas fotografias, semelhante às outras, só que menor. Então essa clareira foi escolhida também como um ponto de reabastecimento. Quando o helicóptero começou a baixar, tem um arbusto chamado canela-de-ema que tem muito em Goiás, em Tocantins e lá também tem. Parece uma pequena palmeirinha, e o piloto Aguiar, já falecido, que voava comigo e já tinha mais de 50 anos, ele me chamava de "chefinho" porque eu tinha 27 anos e eu era chefe dele. E ele falou: "Chefinho, olha o rotor de cauda para ver se não bate no arbusto". E o helicóptero começou a baixar e, quando começou a baixar, aquele mundão de canga de minério de ferro, aquele negócio preto ali no chão, e eu comecei a ficar entusiasmado com aquilo e me distraí, então o rotor de cauda bateu numa pequena árvore, um pequeno arbusto. O Aguiar falou então um sonoro palavrão, me deu uma bronca por não ter olhado, e foi mais para a frente. Então eu olhei direito, pousamos, e daí é imediatamente um raciocínio simples. Se minha neta pousasse lá ia falar: "Será que as outras clareiras também são de minério de ferro?" Um negócio assim primário! E depois, quando muitas pessoas me entrevistaram a respeito da descoberta e falaram: "O que você ganhou com a descoberta de Carajás?" Eu falei: "Ganhei aquele momento". Não tem preço! Você, como profissional da área, de repente você não sabe mas sente, eu não sabia que estava descobrindo, mas sentia que estava descobrindo algo muito grande. Quer dizer, aquele momento, você sozinho com o helicóptero no meio da selva sem nada em volta, e viver aquele momento, não tem preço. Não tem preço nenhum. Daí nós decolamos, e o Aguiar deu outra sugestão bem absurda, bem surrealista, que ele não ia desligar o motor do helicóptero para ver o dano por dois motivos: primeiro que poderia ser que depois o motor não pegasse, que a gente sempre tinha problema de magneto na partida, que nem sempre o motor pegava então de repente aí não conseguiria sair dali. O outro helicóptero não estava funcionando, então não tinha como sair daquele lugar. A pé nem pensar! E segundo, se ele visse que o dano tinha sido muito grande, ele ia ficar sem condição psicológica para decolar, então só havia um jeito: ir na loteria. E vai decidir o quê? Está decidido! Tem só uma solução. Aí nós decolamos daquele lugar, e o trecho mais crítico foi enquanto a gente tinha saído do Carapanã, estava na selva, e tinha que pegar o rio Cateté. Porque chega no Cateté o pior que acontecia era cair no rio. E no rio a gente, bem ou mal, ia seguindo o rio e íamos chegar na aldeia dos índios, onde a equipe estava nos esperando, o avião do Adão estava esperando, combustível etc. e tal. E para afastar o medo, porque a gente estava com medo, os dois estavam morrendo de medo, não vou dizer que não. Não tem herói sem medo! E naquele momento, tanto ele que era experiente, foi um dos pilotos de helicóptero pioneiros do Brasil, estava morrendo de medo, como eu estava morrendo de medo por ser o meu primeiro voo. Então o que nós encontramos para espantar o medo foi cantar, porque cantando o tempo ia passando, então naquele voo que durou uns 20 minutos até chegar na aldeia a gente foi cantando: "Vamos passear na floresta enquanto o lobo não vem". O lobo era o helicóptero cair. Isso a gente foi cantando, cantando, e felizmente conseguimos chegar na aldeia. Na aldeia dos índios, abastecemos, contamos já o que tinha acontecido para a turma, os geólogos não estavam lá, estava só a equipe de piloto, mecânico. Olharam o dano e acharam que o dano não era muito crítico e decolamos. Com dois minutos fora da aldeia houve um pane no motor. O motor começou a ratear, o magneto começou a falhar, o helicóptero começou a ficar bambo e nós conseguimos voltar para a aldeia e pousar de volta e prosseguimos a viagem até o Castanhal (do Cinzento) no avião do Adão. Dois, três dias depois, o geólogo Riter foi com o piloto buscar o helicóptero e para ir fazendo mapeamento do rio Itacaiúnas até chegar no Castanhal, pegando amostra, etc. e tal, e quando chegou de noite, ele não chegou. Aquela batida no rotor de cauda trincou o eixo do rotor de cauda, e o rotor estava virando. No dia 2, quando eles foram fazer o traslado, depois consertar o motor, o eixo rompeu em voo e no dia seguinte eles tinham desaparecido. Eu saí com o piloto Adão e sobrevoamos o local, eles tinham conseguido descer no meio de uma pedra e tinham passado a noite em cima da pedra. Nós jogamos remédio, bilhete para eles e um barco foi buscá-los naquele local. Quer dizer, poderia ter acontecido com a gente quando a gente decolou da área, e caído na selva, e eu não estaria aqui para contar a história, nem o piloto, quer dizer, então as coisas acontecem...
BRENO AUGUSTO DOS SANTOS - Nasceu em Olímpia, SP, em 01/07/1940. Geólogo, foi o responsável pela descoberta da reserva de minério de ferro de Carajás (1967).
Trecho extraído da página de Breno no Museu da Pessoa (www.museudapessoa.net)
Eldorado existe, o descobridor também: Breno, o geólogo. Geração Editorial
Vídeo: 50 ANOS DA DESCOBERTA DO Fe DE CARAJÁS (1967-2017) - Breno A dos Santos (Memórias)

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