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16 junho, 2017

As escolas literárias no Rio antigo

(Enquète à moderna - Previna-se aos leitores que não será publicada em volume - É só para o gasto - Deu trabalho para escrever - Se não prestar é por minha culpa - Cada um dá o que tem.)
O Rio tem muitas escolas literárias, mas nem todas são conhecidas do público. Ora, e isto é o diabo. O público brasileiro é doido pelas letras, pelas artes: interessa-se de um modo exorbitante por tudo que cheira a livro, excetuando-se, já se vê, os livros do "bê-a-bá". Isso é outra massada: o publico adora a literatura, protege-a, vive para ela, porém não sabe decifrar as letras porque odeia o "bê-a-bá".
Daí começa a dificuldade da minha reportagem, porque ela é feita para a massa. E sabem quem é a massa? É o conjunto absoluto, compacto, integral e unânime de todos os bípedes implumes chamados vulgarmente cidadãos e cientificamente Homo sapiens.
Para uma enquète desta ordem a primeira coisa a fazer é definir o que seja uma escola literária. A melhor definição é a seguinte: escola literária é a reunião de uma ou mais pessoas escrevendo segundo as mesmas regras.
Assim, por exemplo, o nefelibatismo. Esta escola tem, como todas, um chefe, os adeptos, os simpáticos e os apreciadores.
Tem três regras principais:
1ª - Escrever palavras.
2ª - Escrever as ditas palavras com letra maiúscula.
3ª - Não se preocupar com o sentido.
O fundador do nefelibatismo foi São João Evangelista escrevendo o seu Apocalipse. Depois dele surgiram diversos nefelibatas, entre os quais Coelho Lisboa, Floriano de Lemos e Osorio Estrada.
Todas as escolas literárias têm entre si uma relação, ou melhor, um laço de união chamado rivalidade. Por meio deste laço de união é que as diversas escolas se entendem por seus diversos agentes que agem pelos jornais, pelos botequins e, às vezes, nos prólogos das obras que costumam aparecer. Pelos jornais e nos prólogos estes agentes trabalham pela descompostura e nos botequins por diversos meios, entre os quais a mão na cara. [...]

X. Malmequer
Revista Careta, 13 de fevereiro de 1909 - edição 37
(texto transcrito com atualização ortográfica)
http://memoria.bn.br

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