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04 dezembro, 2016

Desvendando Moro

por Rogério Cezar de Cerqueira Leite
O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece insolúvel.
Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sérgio Moro e seus sequazes da Promotoria pública.
Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval. É notável o fato que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulguramente o Renascimento.
Educado por seu avô, empedernido do moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da Igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.
Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar de muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná - não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savanarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.
É preciso, portanto, adicionar, um outro componente à constituição da personalidade de Moro - o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de "síndrome do escolhido".
Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.
A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.
Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.
Em Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.
Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha de SP. Publicado em 11/10/16, na página de opinião da Folha.
Via Acesse Piauí.

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