Páginas

21 outubro, 2015

Como nasce um preconceito

Fernando Gurgel Filho, de Brasília
Aos poucos vi que um preconceito nascia das discussões acaloradas, principalmente sobre preferências partidárias e condução de políticas públicas. Muito mais, creio, pelo modo de construção dos diálogos e pelo comportamento pessoal das pessoas com as quais tento dialogar. E que vai se transformando em monólogo. Muito mais, creio também, pelo modo desonesto como as pessoas constroem seus argumentos e pelo próprio discurso vazio de verdades que apregoam.
E o preconceito, novíssimo em mim, vai brotando devagar e, de repente, sufoca-me a razão. Vejam como: atualmente, dependendo de onde venha a informação/opinião, a luz da rejeição acende em grau máximo contra a opinião emitida. Imediatamente, sem dar tempo nem de avaliar se a informação/opinião tem algum fundo de verdade. Apenas como exemplo, se alguém, conhecido por emitir argumentos falsos, critica o comportamento de algum político, passo imediatamente a simpatizar com o político atacado, pois fico imaginando que o tal político deve ter feito algo benéfico para a sociedade e deve ter sempre se comportado corretamente. Se ataca a política econômica, a queda da moeda brasileira, o aumento de tributos ou coisa parecida, passo imediatamente a acreditar que a condução da política econômica está corretíssima e que o interlocutor deve ter motivos escusos para atacá-la. E por aí vai murchando qualquer discussão franca e civilizada.
Obviamente, isto é péssimo para qualquer cidadão que gosta de dialogar e que tem verdadeiro pavor ao cerceamento da liberdade de discussão, pois, na mesma linha do "cumpadre" Voltaire, creio ser muito proveitosa uma boa e honesta discussão, mesmo não concordando com nada do que o outro diga. É melhor do que ficar calado ou constrangido, pisando em ovos, numa discussão entre amigos ou numa simples roda de bate papo entre conhecidos.
Como todo preconceito é burro, estúpido, a burrice vai se alastrando mesmo quando queremos cultivar algo mais sólido, mais solidário e mais fraternal. E os vínculos humanos vão se fragmentando, se desfazendo. Ao invés de uma inteligência coletiva que pudesse construir uma sociedade cada vez melhor, o emburrecimento coletivo tem sido a alternativa que somente pode nos levar ao isolamento, mesmo achando que estamos conectados em uma rede global.
E leio, aliviado, que não estou sozinho em repetir, repetir, repetir e continuar repetindo argumentos honestos. Mas que são desconstruídos com mentiras, meias verdades e burrices que alguns amigos e conhecidos teimam em repetir, repetir, repetir e continuar repetindo. Aí, acontece o que menos queria que acontecesse, "... perco a cabeça: ”Que merda de má-fé é essa? Que porra de ignorância é essa?” E me vejo reproduzindo tudo o que mais condeno, a histeria de uma ira inócua. Digo barbaridades. Perco a razão. Acho que era Kant quem dizia que ninguém pensa sozinho. E o que acontece quando a burrice passa a imperar? Alguém dirá que a burrice sempre imperou. Prefiro achar que nem sempre. Até muito recentemente, muito da nossa burrice coletiva se mantinha circunscrita ao isolamento da esfera privada. Ou pelo menos ainda não tinha encontrado os canais públicos para alardear sua hegemonia." (Bernardo Carvalho, in "Encontro com um editor de direita").
Se ainda não tiverem sido abduzidos por este preconceito, recomendo muitíssimo a leitura do artigo completo do jornalista Bernardo Carvalho.

N. do E.


25/10/2015 - Atualizando ...
Numa mesa de debates sobre humor e literatura organizada no Festival Internacional Literário de Óbidos, em Portugal, e dividida com o humorista, apresentador de TV e espécie de pop­star em Portugal Ricardo Araújo Pereira, o escritor e colunista do GLOBO Luis Fernando Verissimo defendeu o mandato da presidente da República, Dilma Rousseff, declarando-­se contra qualquer tentativa de impeachment.
Dos poucos momentos sérios do debate, no qual Verissimo e Ricardo falaram sobre temas como os limites do humor, o caso do Charlie Hebdo, técnicas de escrita humorística e até gastronomia, a pergunta desconcertante foi endereçada a Verissimo da plateia: “Dá para fazer piada com a situação política do Brasil atual?”.
— Não sou dilmista, mas sou legalista. Para tirar o PT do poder, é preciso esperar as próximas eleições, fazer valer a democracia. O clima no Brasil é de extrema radicalização, e principalmente para a direita, num grau de raiva que eu nunca vi. E olha que tivemos coisas como a UDN… Mas desse jeito é inédito na história do Brasil — opinou Verissimo, arrancando aplausos da plateia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário