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02 dezembro, 2013

O grande "O"

por Fernando Gurgel Filho
Você já foi enganado hoje? E ontem? Anteontem?
Não? Desculpe-me de coração, mas eu duvido muiiiiiito!
Ou então, você é um alienado ou um pobre coitado, que não tem dinheiro nem para comprar um sanduba a preço de joia rara, ou não mora no Patropi, ou, pior ainda, é um completo fóssil ultrapassado que mora isolado de tudo e de todos.
Por isso, pense bem, você, com toda a certeza do mundo, foi enganado anteontem, ontem e hoje. Principalmente se você é um cidadão consciente e que somente consome produtos legais e com nota fiscal. Afinal, você tem celular, telefone fixo, anda de carro, de ônibus, de metrô, tem computador, televisão a cabo, crediário, tem energia elétrica, paga INSS, IPVA, IPI, ICMS, seguro obrigatório... E por aí vai a enorme rede que fazem e farão de você um grande iniciado na lúdica e agradável tarefa de ser enganado com muita satisfação. Repito: sem falar nos que compram produtos pirateados, contrabandeados, sem origem conhecida...
Por isso, se você respondeu que não foi enganado, apenas não reconhece esse seu direito inalienável, pois, se consumiu algo, você tem aquela marca indelével na testa, aquele "O" bem grande e luminoso, de OTÁRIO. Esse "O" é tão importante para o consumidor brasileiro que virou um símbolo de amplo significado, como: idiota, babaca, mauricinho, patricinha... Ou seja, qualquer adjetivo que possa ser usado para o consumidor brasileiro, esse jeca tatu cafona, que se considera a elite do planeta Terra.
A equação não me deixa mentir: consumiu = seguidor do Grande "O". E você pode encontrar seguidores do Grande "O" em toda parte.
Exemplos?
Quando chegamos a Brasília, final de semana, tentando comprar um tênis, eu e meu irmão éramos completamente ignorados em quase todas as lojas. Claro, como não tínhamos dinheiro, creio que o Grande "O" anda não estava bem nítido nas nossos testas. Os vendedores, talvez mais pobres que nós, não nos enxergavam. Graças a outro adjetivo, "preconceituoso", que enriquece e engrandece ainda mais o Grande "O". Meu irmão, além de perceber isso, teve a sabedoria de definir magnificamente o fato: "O problema é que no Brasil não existe vendedores. Temos apenas compradores e que pagam qualquer preço para serem enganados.".
Mas, eu sou brasileiro e não desisto nunca.
Juro que, na década de 80, ficava muito constrangido ao ver os colegas participarem de leilões na Receita Federal e se gabarem de suas aquisições. Um dia fui lá também. À época, a dificuldade de importação ainda era grande, mas já existiam no mercado interno quase todos os produtos que estavam sendo leiloados, mas eram caros. Pois bem. O local estava lotado, as mercadorias expostas e os preços mínimos estampados nas relações que foram distribuídas. Os preços eram atrativos, interessei-me por um ou dois lotes. Coisas que realmente precisava e usava.
Quem disse que consegui comprar algo? Na hora do leilão a coisa tomou um rumo inesperado. Os preços foram subindo, subindo, subindo... Fiquei completamente atordoado, nocauteado. Algumas mercadorias, inclusive as que eu tinha interesse, foram arrematadas por preços que, até hoje tenho absoluta certeza, seriam bem menores nas lojas da cidade. Não consegui entrar para a seita do Grande "O" e descobri que não seria fácil competir com os seguidores mais fanáticos do Grande "O". Até hoje não consigo.
Depois ainda reclamam que o preço alto deve-se a impostos, ineficiência de produção e outras "cositas más", que somente os iniciados do Grande "O" sabem estampar em seus argumentos para justificar sua enorme satisfação em cair nos braços do Grande "O".
Então, fala a verdade: você já foi enganado hoje? E ontem? Anteontem?
N. do E.
E trás-anteontem?

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