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05 outubro, 2012

O diabo e a suprema caricatura

O diabo no meio do "mensalão"
por Miguel do Rosário, blog O Cafezinho
O diabo existe? A pergunta é falsamente ingênua, porque esconde uma dúvida metafísica muito complexa sobre a existência ou não do mal. Riobaldo, o protagonista de Grande Sertão, acha que todos os sábios deveriam se reunir para decidirem, de uma vez por todas, se há ou não um capeta assombrando o mundo.
A mídia brasileira encontrou, nos ministros do Supremo Tribunal Federal, os sábios que faltaram à Riobaldo: sete juízes entenderam que sim, que o diabo existe, ou seja, que o mensalão foi compra de voto de parlamentares.
A Procuradoria, as CPIs e toda a mídia brasileira, passaram quase sete anos à procura de um testemunha ou prova consistente que afirmasse a tese da compra de voto. Centenas – talvez milhares – de pessoas foram interrogadas, entrevistadas, devassadas, e todos asseguraram que não, que não houve venda de voto. Não importa. A nossa democracia agora é governada por sete sábios. São eles que dão a palavra final.
O STF produziu uma armadilha para si mesmo, e entrou nela. Desde o início dos debates, muita gente via, estarrecida, que os ministros enveredavam por uma trilha perigosíssima, ao estabelecerem que não havia necessidade de provas ou “atos de ofício” para condenarem os réus. Então, quando todos achavam que o festival de arbitrariedades havia atingido o clímax, eis que ele piora, e o ministros, constrangidos pela dificuldade em condenar sem “ato de ofício”, decidem que o ato de votar é o crime final do parlamentar envolvido no escândalo do mensalão.
Os ministros, no afã de demonstrar a existência do Dito-Cujo, trouxeram-no para dentro do tribunal. Em algum momento dos debates, veremos um redemoinho de papéis num canto do salão. É ele mesmo, o Sem-Nome, rindo-se dos juízes, da imprensa, de nós todos.
Outrora dizia-se que ainda havia juízes em Berlim. Grande ironia da história! Quando a democracia desaba, encontra-se um ou dois juízes tentando salvá-la. Quando a democracia chega a seu momento mais pujante, eis a maioria dos juízes disputando quem a violenta primeiro.
[...]
A suprema caricatura
por Lula Miranda, Carta Maior
Recebi, via e-mail [como muitos, imagino], uma fotografia do ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470 em julgamento no Supremo, de costas no plenário, associando-o ao Batman. Essa mensagem, imantada com o brilho reluzente e enganador do verniz das aparências, parece simbolizar e sintetizar uma espécie de redenção do povo brasileiro, que estaria, finalmente, vingado de toda a corrupção e de todas as mazelas da política brasileira por esse novo paladino, “o vingador” – aquele que ressurge das trevas para nos redimir. Mas, se formos um pouco além das aparências na análise dessa caricata imagem, ela poderá de fato nos ensinar algo: que a fantasia pode mascarar a realidade. E algo mais: que a luz ainda não iluminou, de fato, as trevas. Pobre da sociedade que educa o seu povo através de grotescas caricaturas.
Antes do começo do julgamento no Supremo, confiava plenamente na justiça e lisura dos ministros - e do julgamento em si. Afinal, estavam ali reunidos supostamente os melhores magistrados e juristas do país, “homens e mulheres de alta autoridade moral e reconhecido saber”, que iriam se debruçar, com a devida atenção e denodo, sobre os autos do processo; analisar com prudência magna, e de modo imparcial, as acusações do procurador e as alegações dos advogados de defesa; debater com seus pares da Corte e assim certamente chegar a um consenso e, por fim, a um veredito. Far-se-ia justiça, então.
Mas, com os holofotes e a pressão desmedida da grande mídia, e do paradoxalmente silencioso estrépito da chamada “opinião pública” (forjada por essa mesma mídia), percebe-se nitidamente que alguns ministros abandonaram os autos e a verdade factual, deixaram a toga de lado e vestiram, não sem um certo garbo, diga-se, a fantasia de paladinos da justiça, de “super-heróis”. Dessa vez, sem acusar desconforto algum com a fria lâmina da navalha dos jornalistas e dos grandes veículos a lhes ameaçar o pescoço, como na ocasião da aceitação da denúncia [lembre-se da frase proferida numa conversa informal pelo ministro Lewandowsky : “A imprensa acuou o Supremo... Todo mundo votou com a faca no pescoço ”].
Algo se perdeu no caminho da busca pela Justiça. O que parece estar ocorrendo é uma espécie de “justiçamento”. Tudo para agradar as galerias – sim, como nos tempos da Roma antiga. Os justos, os que deviam clamar pelo império da lei, calam-se. A imprensa manietou o Supremo.
[...]

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