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01 agosto, 2012

Enterrando o criacionismo

por Fernando Gurgel Filho, de Brasília
A evidência de existência da partícula chamada de Bóson de Higgs, apenas confirma que a explosão primordial se deu a partir de algo existente e que aquela partícula foi ativada ou surgiu da reação desencadeada por esses elementos, sejam eles apenas ondas ou ondas e partículas.
Quanto ao Universo que se mostra aos nossos olhos, a ciência demonstra que não é muito diferente do Universo que se esconde em tamanhos infinitesimais, inclusive com os mesmos espaços não preenchidos entre os seus componentes. Logo, a ideia de massa é apenas uma convenção humana, ditada pelo que podemos ver, apalpar, medir e pesar. Mas essas propriedades que atribuímos à massa depende mais de nossos sentidos do que da realidade que nos cerca.
Se existisse um ser tão grande a ponto de observar o Universo inteiro do seu exterior, creio que ele veria apenas algo assemelhado a uma pedra, mas não teria como mensurar seu peso pois este depende da força gravitacional e esta está contida no Universo. Na própria massa do Universo, enfim. Ou seja, independentemente do elemento responsável por aquilo que vemos como um objeto palpável, esse mesmo elemento já fazia parte da imensidão de partículas comprimidas que deram origem à grande explosão primordial.
Caso aquele ser imenso sofresse um processo de redução gradativo, ele iria observar que aquela pedra tem imensos espaços vazios e entre estes existem zilhões de pedrinhas idênticas ao todo. Reduzindo seu tamanho até o infinitesimal, sua visão seria a mesma. Até onde, não sabemos.
Concluindo, se há um elemento estruturador da matéria ele está no micro e no macrocosmo, ou seja, no Universo inteiro e já existia na matéria comprimida originária da explosão primordial. É o aforismo de Lavoisier sendo demonstrado em grande estilo. Nada mais, nada menos.
Apenas para esclarecer esta ideia, os dicionários normalmente apresentam o ato de criar e de inventar como tendo o mesmo significado. Entretanto, para fins de análise, faremos uma distinção nítida entre as duas ações. Assim, definiremos criação como o ato de produzir algo que nunca existiu a partir do nada, ou seja, a partir de elementos também inexistentes. Por exclusão, definiremos o ato de inventar como a produção de algo totalmente novo a partir de coisas existentes.
Se considerarmos o universo como um sistema fechado, dadas as exatas definições para os atos de criar e inventar, podemos afirmar, com toda a certeza, que não há espaço para a ideia de criação no mundo que conhecemos, o que existe são apenas invenções.
Lavoisier, partiu da análise de casos particulares, mas generalizou de forma intuitiva e brilhante ao falar da inalterabilidade das massas em um sistema fechado, de onde extraiu uma lei que evoluiu até chegar ao famoso aforismo: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
Apesar de os religiosos serem pródigos em relatos de criação, seja do universo ou dos seres que o compõe, esses mitos ou metáforas, que normalmente falam em criaturas, apontam corretamente, de forma brilhante e intuitiva, para as invenções que ocorreram, ou seja, para as transformações que a natureza promove seja "por acaso ou por necessidade" (Monod, Jacques, 2006).
Seus seguidores não têm necessidade, então, de ficarem propagando coisas como o criacionismo, haja vista não existir em seus próprios livros sagrados referências à criação, apenas à invenção. Tome-se como exemplo o relato da origem do homem a partir do barro e da mulher, a partir da costela do homem. Brilhante, científico e intuitivo. Tudo junto.
Ora, como a vida surgiu de moléculas, estas podem, metaforicamente, ser comparadas ao barro primordial, mas ali não há criação, apenas invenção. E a diferenciação entre os sexos surgiu muito depois da invenção dos seres vivos. Daí, podemos dizer que a metáfora da costela é brilhante, científica e intuitiva. Tudo junto.
Como se vê, os próprios religiosos constatam que no universo que conhecemos não há espaço para a ideia de criação. Apenas para a de transformação, invenção, mudanças constantes. Apesar de ser um tiro certeiro em qualquer presunção da existência de algo ou alguém que tenha "criado" qualquer coisa existente no Universo, é o que temos como verdade absoluta.
Creio que essa verdade pode ser transposta para tudo que envolve a engenhosidade humana, de onde nem a arte escapa, pois não podemos definir como criações – na plena acepção desta palavra – nenhuma obra ou artefato que o ser humano diz ter criado. São apenas invenções, justaposição de matérias, ideias e possibilidades descobertas pelo artista, cientista ou pensador.
Em suma, o homem gostaria de criar, mas o que ele faz na realidade é inventar. Pega uma coisa daqui outra dali, junta com uma descoberta acolá com um modelo dos muitos que a natureza oferece, e está pronto mais um engenho da mente humana.
Como o Universo, enfim.
ooOoo


Apertem os cintos e aproveitem esta viagem pelo Universo. Um fascínio renovado para os que gostaram de assistir a série Cosmos, de Carl Sagan. A música do vídeo é de Vangelis.

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