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05 março, 2012

Cigano

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"Pois não é que esta semana o Brasil inteligente ficou sabendo, estarrecido, que um procurador da República em Minas Gerais quer obrigar o Instituto Antônio Houaiss (V. comunicado) a retirar de circulação todas as edições do dicionário Houaiss, que contêm, segundo a excelentíssima sumidade, "expressões pejorativas e preconceituosas relativas aos ciganos"? Confesso que há muito eu não ouvia tamanho disparate, e fiquei tão chocado com a notícia que, a princípio — imaginando que fosse mais um desses boatos propagados pelas ondas do mar da internet —, pus minha mão no fogo pelo procurador: "Um membro do Ministério Público não vai cometer o erro primário de confundir o texto de um dicionário com o de uma enciclopédia", sentenciei — mas, ai de mim, logo me convenci de que teria feito melhor se tivesse deixado a mão no bolso: era tudo verdade!
Ocorre que este dicionário — de longe, o melhor que já tivemos em língua portuguesa — não faz mais do que a obrigação ao registrar que o termo cigano tem oito acepções, entre elas duas que Houaiss expressamente rotula como "pejorativas": "aquele que trapaceia; velhaco, burlador" e "aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina". Afinal, este é, como vimos, o compromisso tácito que todo lexicógrafo que se preze assume conosco: apresentar o repertório de significados atribuídos a cada palavra e indicar as particularidades de seu uso ("informal", "antiquado", "chulo", "regional", etc.). Nosso douto procurador deveria ter percebido que as informações apresentadas pelo Houaiss — que, desculpem lembrar a obviedade, não é uma enciclopédia — se referem ao termo, e não ao povo cigano. No dia em que registrar os valores depreciativos que certos vocábulos assumiram ao longo do tempo for considerado um crime, nossa língua — ou melhor, nossa civilização terá embarcado numa viagem sem volta para a noite escura da desmemória."
por Claudio Moreno, Sua Língua

2 comentários:

  1. Olá. Concordo totalmente com o post. Tanto que o citei num post em meu blog (http://fatosetc.blogspot.com/) sobre a preocupante escalada autoritária no Brasil, que nos tem imposto uma série de proibições ou tentativas de proibições de todos os tipos, num caminho que não sabemos onde nos levará.

    abraços

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  2. Obrigado pela referência a EntreMentes, Edu Maretti.
    E muito oportuna a lembrança da tentativa do CNE (felizmente abortada pelo ministro da Educação) de censurar uma das obras do inigualável Monteiro Lobato.

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