Nelson José Cunha
Quem não passou seus apertos na vida? Momentos dramáticos que o tempo vai maquiando até tomarem feições divertidas. Meto-me em enrascadas que depois viram pratos apetitosos para serem servidos aos amigos ao redor de uma cerveja. Destas, vou contar-lhes uma, que preferia não tê-la vivido. Estudava em Barcelona e aproveitei uns dias de folga para ir à Paris assistir a um Congresso Mundial de Oftalmologia.Éramos quatro brasileiros com o mesmo objetivo: banhar-se no brilho dos grandes mestres da oftalmologia mundial em plena Cidade Luz. Trocamos nossas poucas pesetas por dólares e embarcamos num comboio espanhol de acomodações franciscanas. Coube-nos um assento à altura do bilhete barato que escolhemos. Duro como o bolso dos seus ocupantes.
O caminho entre Barcelona e Paris inicia-se pela Costa Brava espanhola, segue-lhe os Montes Pirineus, que ao abrirem passagem junto ao mar deixam o caminho livre para o trem chegar à França sem ladeiras para subir e cansar. A paisagem é deslumbrante, pois o trem se esgueira entre o rochedo e o mar Mediterrâneo. Briga de azuis. Mar e céu disputando a atenção do viajante.
Em Paris, buscamos no Quartier Latin um hotelzinho charmoso e barato de onde fazíamos nossas incursões. Começávamos o dia no Congresso e terminávamos sentados nas calçadas dos Cafés vendo a vida parisiense passar. Bebíamos vinho de tonel ao som de realejo.
A mulher francesa é a mais linda e elegante do mundo, difícil vê-la sem discreta maquiagem: as argentinas, ao contrário, embora adeptas de um pó de arroz, usam-no aos quilos, como máscara, sem a medida do discreto. As brasileiras batem-nas num quesito: o jeito de andar. As mademoiselles francesas andam sem balanço, com pressa, batendo o calcanhar no chão como soldados em parada militar.
Os dias foram consumindo os francos que eu levara. Dei uma escapadinha do Congresso para trocar uns dólares numa casa de câmbio ao largo dos Campos Elísios. Entrei, apresentei as notas verdinhas junto ao passaporte e esperei o câmbio em francos.
O funcionário, por zelo ou chatice mesmo, passou a maquininha nas notas, sentiu-lhes a textura, olhou-as contra a luz e virando-se para mim sem dizer palavra, contornou o balcão e veio fechar com chave a porta do estabelecimento. Pensei:
-Iiiii... Pintou sujeira!
Rapidamente, comecei a reunir o meu repertório de desculpas, antecipando o interrogatório que seria certo. Eu teria de parecer o mais convincente possível. Os dólares foram comprados na Espanha, dentro do próprio Instituto onde eu trabalhava. Era um hospital de renome mundial que recebia enfermos forrados de dólares, que eram despejados na tesouraria. Todos dólares de boa cepa.
O funcionário desandou a falar baixinho ao telefone enquanto me olhava dos pés à cabeça. Fiquei imaginando a polícia chegar com todo aquele aparato de sirenes, algemas e outros adereços para levar o pobre brasileiro de Brasília para conhecer Bastilha.
Estava nestas divagações quando, de outra porta interna, chegou mais um funcionário que pela idade e carranca parecia ser o chefe.
Examinaram as notas, deram mais uns telefonemas e finalmente o mais velho deles aproximou-se e perguntou:
- Onde estás hospedado?
- O que fazes em Paris?
- Qual a tua profissão?
Respondi ao interrogatório como um seminarista responde ao bispo: com cara de santo. Não fizeram menção aos dólares, entreolharam-se em código de amigos, entregaram-me um maço de francos, meti-os no bolso do abrigo e pedi que destrancassem a porta. Saí sem conferir o dinheiro, ou ao menos olhar para trás. Entrei no primeiro bistrô que encontrei para tomar uma talagada de conhaque. Desceu como água "Perrier" suave e escorrido. É isto que dá carregar notas de cem dólares, as mais queridas dos falsários. Conselho aos viajantes:
Nota de cem dólares? Jamé!... Jamé!
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