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17 junho, 2010

A falência de uma "cidade"


Nelson José Cunha, oftalmologista em João Monlevade - MG

Não há forma mais efetiva de divulgação científica do que fazer analogias. Aqui farei uma. Compare seu corpo a uma cidade com infinidade de ruas que levam a lojas, escolas, oficinas, restaurantes, hospitais, quartéis etc. Imagine um estreitamento delas por veículos estacionados em fila dupla. De repente, uma quadrilha se apossa de um edifício e começa o assaltá-lo.
É o caos, mas pode ser uma invasão bacteriana.
O quartel é avisado, mas a polícia não chega a tempo. Feridos graves ficam sem atendimento porque a ambulância não comparece. A quadrilha sente-se estimulada a praticar assaltos repetidos e o ataque se espalha incontrolavelmente.
É o caos, mas pode ser uma infecção num corpo indefeso.
Vejam agora o restaurante. Cheio de clientes famintos, mas as cozinheiras não chegaram ainda. O supermercado não entregou os cereais, os canos estouraram, falta água e a energia elétrica é claudicante. O esgoto está entupido e o lixo se acumula.
É o caos, mas pode ser o olho de um diabético.
Chegam a essa “cidade” dez mil caminhões carregados de cigarros, doces, lingüiças e biscoitos que vêm atender ao “stress” da população angustiada com tantos problemas. Os caminhões entopem de vez as ruas restantes.
É o caos, mas pode ser o corpo de um fumante, hipertenso ou diabético.
A população aflita começa a queimar os cigarros, a fumaça polui ainda mais o ambiente, o oxigênio vai rareando e as janelas das casas vão se abrindo, mas é pouco. Tudo é muito sufocante. As paredes enfraquecidas são arrombadas por falta de manutenção. As casas e apartamentos vão ficando irreconhecíveis, tal o número de buracos. É a ruína total.
É o caos, mas pode ser o pulmão de um fumante.
A tragédia em uma cidade assim não estaria completa sem os tratores de esteira circulando impunemente. Levam o que resta do pavimento e calçadas, entulhando as ruas até sua completa obstrução.
É o caos, mas pode ser o cérebro ou o coração enfartado.
O rio que um dia foi majestoso está assoreado e suas margens repletas de detritos. Todo o veneno lançado nele durante anos fez seu efeito: o rio não consegue mais levar suas águas para o mar e a inundação toma conta de tudo.
É o caos, mas pode ser o rim de um hipertenso não controlado.
As pessoas vão ficando sem ânimo para enfrentar essa enorme quantidade de problemas produzida pela falta de circulação de mercadorias e serviços. A cidade começa a parar. Ninguém sai de casa, os amigos e parentes não se visitam, desaparece a alegria e a vida vai se esfarelando.
É o fim, mas pode ser a velhice numa cadeira de rodas e um cérebro tomado por placas amilóides: Alzheimer.
O olho é particularmente sensível a todos os males produzidos por dificuldades na circulação. Seus vasos são extremamente delicados e miniaturizados e por isso mesmo são os primeiros a sentirem os efeitos da má circulação de nutrientes e eliminação dos seus resíduos. Os oftalmologistas veem frequentemente na clínica diária os danos de organismos assim envenenados. Isso é muito típico no paciente diabético ou hipertenso. O cigarro funciona nestes pacientes como a pá de cal do coveiro. Nos fumantes, o que preocupa não é o olho vermelho pela irritação da fumaça, mas os efeitos dos venenos inalados. As grandes causas de cegueira no mundo são agravadas pelo pernicioso e anti-social hábito de fumar. São elas: A Retinopatia Diabética, a Degeneração Macular Relacionada à Idade ( DMRI ), o Glaucoma e a Neuropatia Óptica Isquêmica. Todas INCURÁVEIS. O fundamento dessas doenças tem um parente comum: o congestionamento das “ruas” do nosso corpo.
E se posso dar um conselho:
Tire os caminhões da Souza Cruz e da Sadia de suas ruas. A Secretaria da Saúde agradece.

Um comentário:

  1. Caro Amigo Nelson,
    um diagnóstico para as doenças, generalizando, é de um Colapso das relações Humanas.
    Parabéns por este ensaio.
    Abraços

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