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07 maio, 2010

Dr. Carta Pácio e as placas dos carros

Recebi tempos atrás (1988) uma correspondência do Dr. Carta Pácio, na qual ele se mostrava preocupado com o sistema de licenciamento de veículos no Brasil. Em seguida, dei trânsito livre à sua ideia.

"Prezado senhor:
Nestes tempos têm-se detectado um fato relacionado com o grande número de carros em circulação no país, para o qual chamo a sua atenção. A inconveniência de licenciá-los pelo atual sistema alfanumérico, que tem duas letras mais quatro números. Amiúde, veículos distintos recebem placas iguais, o que pode ocasionar transtornos a seus proprietários. Por isso, marcha-à-ré e meia, se cogita em mudar o sistema ora usado para outro que corrija a falha.
Trago aqui a minha sugestão. O Departamento de Trânsito continuaria fornecendo os quatro números, que seriam pospostos a duas palavras adrede escolhidas. Duas palavras ao sabor da imaginação do proprietário do veículo. De modo a aumentar o número de combinações possíveis e a diminuir a probabilidade de repetição de placas por esse Brasil velho e com porteira. E não fica apenas nesta vantagem o sistema que proponho. Apresenta outras, facilmente pressentidas.
Para se comunicar en passant, o motorista da cidade não mais teria de lançar mão dos adesivos de para-brisa. Nem o caminhoneiro, da filosofia de para-choque que fez a glória do Carneiro Portela. Porque já basta de "fofinho", "ando todo arranhado mas não largo a minha gata", "brahmalogia", "o Pluto é filho da pluta"... Fora com tudo isso! Em troca, veríamos chapas assim: GERAÇÃO DOURADA 5913, TÁXI LUNAR 7853, MILHAR FELIZ 1212, PRIMAVERA EMPALHADA 6723...
As placas seriam de maior tamanho, meu prezado senhor. Para prever um PERNAMBUCANO SOLITÁRIO 3171, por exemplo. Mas não chegariam ao tamanho dos outdoors, embora como estes também pudessem veicular anúncios ao ar livre. No entanto, o forte da nova chapa seria divulgar uma posição política (FORA SARNEY 2364), uma confissão (CRISTO SALVA 7291), um atributo da personalidade (FINO TRATO 8734), uma intenção (TENEBROSA TRANSAÇÃO 9541) e um estado d'alma (ALTO ASTRAL 2189) do proprietário do carro. E as agruras para o primeiro manter o segundo circulando (SEGUNDA FAMÍLIA 3728).
E quanto "você sabe com quem está falando?" seria evitado no trânsito nervoso da cidade! Porque as placas dos carros abalroados já falariam, muitas vezes, pelos proprietários. E João não desacataria o dono do Comodoro, placa PAVIO CURTO 9960, Antônio não aplicaria rasteira no dono do Santana, chapa MESTRE BIMBA 8651, assim por diante. E seria fácil anotar a placa LEITURA DINÂMICA 4444, duma Marajó cujo dono fugiu do local do atropelamento sem prestar socorro.
Quanto aos carros oficiais, seriam estes identificados pela inclusão de sinais de pontuação em suas chapas. Como nos exemplos: NUMA BOA... 7529, E DAÍ? 3348 e DANEM-SE! 4879. Sinais que inclusive serviriam para realçar a pronta resposta da autoridade constituída diante de certas perguntas. Saiba como é, meu prezado senhor. Há sempre algum cidadão mais impertinente querendo saber onde foi parar o seu (dele) imposto.
E finalizo esta, com a citação da placa que desde já reservo para o meu carro: NADA CONSTA 0390. Que me livrará para sempre de toda multa. Uma forma de compensar o alcoolismo de um veículo que há tempos me vem combalindo as finanças.
Creia-me seu, sinceramente."
Dr. Carta Pácio

Se a sugestão em tela vai emplacar, ninguém sabe. Mas, ultimamente, noto que o Dr. Carta Pácio tem pendido para a filosofia de que "o bom bocado é também para quem o faz". E, como sempre faço nas cartas que ele me envia, ponho no rodapé desta última o meu acrescento: Sic transit gloria mundi. Querendo significar que a glória do mundo está no trânsito. Axé, Dr. Carta Pácio.
PGCS

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