por Érico e Paulo Gurgel
Eis uma cena do início de minha vida, que se repetia todos os dias e da qual estou hoje a me lembrar: meu pai, sentado no sofá principal da sala, a ler com grande interesse o jornal. Perto dele, o guri que lhes fala, entretido com algum brinquedo no chão, embora, de quando em quando, desviasse a atenção para ver o velho. Sem que este, absorto em sua leitura, pudesse ao menos suspeitar de estar sendo o alvo de minha intermitente admiração. Naqueles fugidios instantes em que eu relaxava na atenção aos brinquedos, obviamente.
Sempre que possível eu evitava interrompê-lo em sua santa leitura. Ao contrário do que fazia minha mãe, a matraquear um assunto atrás do outro, sem ao menos se tocar para a inconveniência da hora. E bem feito porque ele sempre a desouvia!
Ainda pouco me entendia por gente, mas recordo também que aquilo me perturbava. Meu pai dedicar parte de seu tempo a um punhado de folhas impressas, ainda por cima capazes de manchar o sofá novo, como se queixava minha mãe. E, mais: ao fazer aquilo ele se comportava, para os meus tenros olhos, feito um estranho. Um ser sob alguma ação hipnótica porque, naquelas horas, podia o teto da casa vir abaixo. Que o velho, certamente, não ia perder tempo levantando a vista do jornal. Nem para apreciar o novo teto solar com que a casa acabara de ser contemplada.
Intrigava-me saber que força misteriosa possuía o jornal. A ponto de um ser humano, muita vez de forte personalidade, entregar-se a ele como se fora um escravo. Com o tempo, porém, identifiquei existir no ser humano uma especial fragilidade, que é a carência orgânica de informação. Exatamente o que o jornal tem de sobra. E que, para que aconteça a consentida dominação jornal-leitor, não hesita em nos passar diariamente. O seu produto informação, sob as mais diversas apresentações: editorial, reportagens, colunismo social, charges, publicidade etc.
Uma vez sonhei com papai sendo levado, contra a vontade, a uma redação de jornal. E o desfecho dessa experiência onírica, se alguém quer saber, foi a redação ficar só escombros. Porque papai, qual um bíblico Sansão, no fim derrubou suas colunas.
No entanto, nem tudo acontece como a gente sonha. E, sem haver sofrido arranhões nesse meu sonhar, papai continuou... vida boa não quer pressa. A ler o seu jornalzinho no sofá (por vezes, à mesa da sala de jantar), apenas lhe faltando um cachimbo na boca para compor a cena clássica. E, quando me formei em "doutor do ABC", papai me deu a ler um suplemento infantil do jornal. Que eu li com grande satisfação, bem na frente de um enciumado aparelho de televisão.
Pronto, naquele momento estava inaugurado o meu novo hábito!
Sempre que possível eu evitava interrompê-lo em sua santa leitura. Ao contrário do que fazia minha mãe, a matraquear um assunto atrás do outro, sem ao menos se tocar para a inconveniência da hora. E bem feito porque ele sempre a desouvia!
Ainda pouco me entendia por gente, mas recordo também que aquilo me perturbava. Meu pai dedicar parte de seu tempo a um punhado de folhas impressas, ainda por cima capazes de manchar o sofá novo, como se queixava minha mãe. E, mais: ao fazer aquilo ele se comportava, para os meus tenros olhos, feito um estranho. Um ser sob alguma ação hipnótica porque, naquelas horas, podia o teto da casa vir abaixo. Que o velho, certamente, não ia perder tempo levantando a vista do jornal. Nem para apreciar o novo teto solar com que a casa acabara de ser contemplada.
Intrigava-me saber que força misteriosa possuía o jornal. A ponto de um ser humano, muita vez de forte personalidade, entregar-se a ele como se fora um escravo. Com o tempo, porém, identifiquei existir no ser humano uma especial fragilidade, que é a carência orgânica de informação. Exatamente o que o jornal tem de sobra. E que, para que aconteça a consentida dominação jornal-leitor, não hesita em nos passar diariamente. O seu produto informação, sob as mais diversas apresentações: editorial, reportagens, colunismo social, charges, publicidade etc.
Uma vez sonhei com papai sendo levado, contra a vontade, a uma redação de jornal. E o desfecho dessa experiência onírica, se alguém quer saber, foi a redação ficar só escombros. Porque papai, qual um bíblico Sansão, no fim derrubou suas colunas.
No entanto, nem tudo acontece como a gente sonha. E, sem haver sofrido arranhões nesse meu sonhar, papai continuou... vida boa não quer pressa. A ler o seu jornalzinho no sofá (por vezes, à mesa da sala de jantar), apenas lhe faltando um cachimbo na boca para compor a cena clássica. E, quando me formei em "doutor do ABC", papai me deu a ler um suplemento infantil do jornal. Que eu li com grande satisfação, bem na frente de um enciumado aparelho de televisão.
Pronto, naquele momento estava inaugurado o meu novo hábito!
Termine com esta santa leitura no Preblog.
Paulo.
ResponderExcluirCumprimente o Érico (que tem nome de escritor) pela oportunidade do texto em que valoriza a leitura. Entre os bons hábitos que devemos desenvolver nos nossos filhos, a leitura deve encabeçar a lista. Meu pai fazia isto comigo durante a pré-escola. Como ele era milico, obrigava-me a ler extensos relatórios sobre exercícios militares e punha-se a cochilar durante a minha enfadonha e sincopada leitura. Eu espertamente interrompia, mas o meu silêncio o despertava. Abria um olho e dizia: Continua!
O pensamento é mais complexo e sofisticado do que a nossa capacidade de expressá-lo, daí a necessidade de se usar um extenso vocabulário que só pode ser adquirido com bons autores. Lamentavelmente ainda temos de usar o Português que tem a metade dos vocábulos da língua inglesa, que sabiamente incorporou o Latim ( durante 300 anos falou-se Francês na Inglaterra), sem desprezar seu vocabulário anglo-saxônico de origem.
Vejo com tristeza que a presente geração áudio visual, acha que pode desprezar a leitura. Quem não enriquece seu vocabulário, empobrece seu pensamento.
Quando vejo que o Érico está consciente disto, alegro-me e esperanço (não sei se existe a palavra, mas não custa nada inventá-la)
Abraços,
Nelson
Esqueci de comentar:
ResponderExcluirA ilustraçao do texto é excelente, e que nossas mulheres não nos leiam.
Nelson
Não igual ao pai, Érico prefere a tecnologia à cultura e faz parte da chamada geração audio-visual. Digo isso a bem da verdade, mas torço para que ele um dia mude.
ResponderExcluirMonteiro Lobato dizia que o Francês perdeu a guerra para o Inglês devido a seus acentos gráficos (há palavras com três deles). Mas, até que isso acontecesse, teve uma forte influência sobre o vocabulário inglês. O Francês foi durante séculos a "língua oficial" do parlamento britânico.
Paulo,
ResponderExcluirGarimpei na internet um documentário excepcional sobre a historia do idioma inglês. Achei o dvd na Australia e mandei buscar. Caso vc tenha interesse em linguística ,mando pra voce.
Há revelações incríveis tais como:
O ingles nasceu na Holanda.
O ingles é 50% greco-latino.
O ingles era a lingua do povão, a aristocracia falava francês
Interesse em linguística eu tenho, o que não tenho é um bom conhecimento.
ResponderExcluirMande-me uma cópia do DVD: estou curioso.