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30 abril, 2009

Dizem que fiz sessenta anos

"Aperto aqui, aperto ali e não dói. Levanto, agacho, inclino o dorso...
Onde estão as dores da velhice?
Minha casa tem escadas e ando por elas saltando degraus sem ofegar. O corrimão espera em vão o meu toque.
Onde está o cansaço da velhice?
Vejo o canário no galho, ouço sua música, saboreio a manga rosa e sinto os perfumes do pomar e da vida.
Onde está a falência dos sentidos da velhice?
Analiso, planejo, provejo e trabalho com alegria e empolgação.
Onde está a decrepitude da velhice?
Danço agarradinho, namoro, conto piadas obscenas e leio Playboy. Que minha mulher não me leia, mas viro a cabeça para vê-las passar voluptuosas, cobiço-as e diante de seus olhares... Enrubesço!
Onde está a decadência da libido ?
Prego peças, faço graças, passo trotes, vejo desenhos, MTV e futebol. Não gosto de rap, mas coleciono rock. Lambuzo-me de brigadeiro com meus netos.
Perguntei se sou velho, responderam que se deito no chão com eles não posso ser velho.
- Então quem sou eu?
- Um palhacinho, vovô!
Onde está a rabugice da velhice?

Cometo erros, repito erros, assino fianças, faço fiados, acreditei no Lula, fui enganado, mas continuo assinando, emprestando e acreditando.
Onde está a sabedoria da velhice?
Acredito que o mundo vai mudar: Os políticos serão honestos, a polícia honrada, a calvície curada, a celulite evitada e choverá no Ceará.
Onde está o ceticismo da velhice?
'Quase sempre sou o mais velho de onde estou. Há pouco tempo eu era o mais jovem. As crianças e suas mães me tratavam de tio e agora de avô. Acham que por ter cara de velho sou velho. Velho é o inservível. Ninguém se importa com a idade da jaqueira desde que dê sombra e frutas.
Não ignoro as marcas dos anos, vejo suas cicatrizes nos outros e no meu próprio espelho. Cicatrizes são condecorações de batalhas vencidas ou perdidas, temos que ostentá-las e jamais escondê-las. Ser jovem é bom, mas é pouco, é preciso ser um colecionador de dias celebrando cada alvorada como jóias únicas.'
Dizem que fiz sessenta e como não fiquei velho vou esperar os noventa. Se ELA vier me buscar antes, não vou! Quero ficar velho primeiro.
Como sou? Esqueci de me mostrar...
Minha calça é jeans, o tênis Adidas, o boné tem Ipod e a camisa, flores.
Já somos muitos, esses "velhos", e acho que não fizemos sessenta anos.
Em tempo: O sisudo morreu de velho."

O colega Nelson José Cunha enviou-me essa crônica. Escrita por ele ao emplacar os sessenta anos e que, após ler "O sexo na terceira idade" (que o EntreMentes só passou adiante), achou por bem me enviar. "Para encher a bola dos velhos, diferente da gozação de O sexo...", como ele me explicou.
- É um belo contraditório, Nelson.

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